Tenha um filho
Camila Borba do Carrito Organic Food relata a aventura em ser mãe na adolescência, esposa e chef da alta gastronomia orgânica de São Paulo
Quem passa pela Rua Tietê nos Jardins em São Paulo e para para tomar ao menos um cafezinho no Carrito Organic Food passa a ver a vida e a alimentação de uma nova e melhor forma. Pelas mãos de uma mulher vencedora que conheceu a maternidade muito cedo, que transplantou um rim ao marido e que se descobriu chef de gastronomia orgânica por paixão, comer no Carrito é como fazer parte de uma linda poesia. Entrevistamos a chef Camila Borba e o relato é de dar água na boca, aproveite a leitura a seguir.
A visão sobre o Brasil
Fico magoada de ver a situação do nosso país, ainda podemos fazer mais pela educação. Nós precisamos levar informação de alguma maneira, precisamos contagiar as pessoas com informação. Quando você trabalha na cozinha de um restaurante como aqui, você tem informação direta. Eu demorei 20 anos para fazer um chantilly vegano, meus funcionários conseguem me acompanhar diariamente e apreendem o que eu demorei muito tempo para aprender.
O papel das mães brasileiras
A realidade da família no Brasil é muito difícil e a mulher é a base. As mães são a base da informação e do exemplo. Uma mãe contagia pessoas ao seu redor e contagia uma família inteira. Sempre falo que a mãe é um foco muito importante pela vida que ela leva, pelos conhecimentos que agrega. Hoje no Brasil, por exemplo, a classe menos favorecida não pensa em comer bem, o pensamento está em comprar um carro, um celular, um tênis, sem a preocupação se terá saúde, se comerá bem, se tentará montar uma horta na comunidade da periferia onde vive, normalmente isso nem passa pela cabeça das pessoas hoje em dia. Transformar suas vidas urbanas numa vida mais saudável deveria ser ensinado. Isso também é verdadeiro na atualidade para as classes mais favorecidas no Brasil. A nossa prática da cidadania é bem falha nesse contexto. Quando uma pessoa começa a comer uma comida orgânica ela está se dedicando a mudar o olhar da vida dela para tudo.
A Infância
Minha infância e adolescência foram bem difíceis. O Brasil vivia um momento difícil, meus pais trabalhavam fora e lutaram muito para criar os filhos. Nós dormíamos no chão, meu pai forrava apenas com um lençol, fico emocionada em contar pois esta foi uma parte bem marcante da minha infância. Meus pais sempre tiveram muito bom caráter com os filhos. Hoje eu tenho o restaurante e o mantenho graças a luta que presenciei dos meus pais com o trabalho. Aquele espelhamento de que não posso falhar, sabe? Ao mesmo tempo tive um pai e uma mãe alcóolatras, somos em três irmãos e isso sempre foi muito difícil. Estudei em escola pública. Aprendi muito com tudo isso, principalmente a assumir as minhas responsabilidades, eu sabia desde cedo o que queria, chegar onde estou hoje tem a ver com as mudanças que eu queria para minha vida. Sempre há um histórico guardado que impulsiona a gente a fazer escolhas. Eu saia muito na adolescência, gostava de namorar e apesar de ter todos estes problemas em casa minha adolescência foi bem feliz pela liberdade que tínhamos.
A maternidade
E foi na adolescência que me tornei mãe, aos vinte anos de idade e foi bem impactante, grávida no meio de uma família super turbulenta, na época foi bem difícil. Hoje falo que foi maravilhoso ser mãe tão cedo porque eu soube passar por estas etapas de uma maneira muito responsável. Eu crio meu filho completamente diferente de como fui criada, sou uma pessoa que não bebo e não gosto de bebidas, criei um trauma, nunca vi coisa boa na bebida, nunca vi ninguém feliz bebendo. As pessoas mudam completamente o comportamento quando bebem e por ter assistido tudo isso nunca quis beber. Durante a gravidez e depois com o bebê de colo trabalhei muito. Dignidade para mim é prioridade, sabemos o quanto é difícil assumir os nossos erros de vida, assim como os acertos. Minha missão então passou a ser definir o caráter do meu filho e hoje sou muito orgulhosa disso. Ele é um menino super doce, ingênuo e tudo o que fiz valeu muito a pena. Olho para ele e vejo que consegui externar tudo de bom que eu sou.
Os orgânicos
Comecei a compreender melhor o orgânico quando Rogerio, meu marido, ficou doente. Rogerio é atleta desde jovem. Ele teve uma doença renal autoimune e quando descobriu começou a estudar como poderia melhorar a vida dele e a dos rins. Foram muitos estudos durante meses pesquisando sobre atletas transplantados e suas limitações. Ele chegou a conclusão de que tinha que comer somente orgânicos e que uma alimentação sem carne ajudaria muito. Foi aí que eu também comecei a estudar. Interagi com esse mundo novo que estávamos vivendo por causa da doença, comecei a descobrir produtores, feiras, lugares, participei de eventos sazonais de orgânicos, e essa influência foi aumentando. Você começa comprando tomate num dia, depois tomate e pimentão e quando vai ver está comprando tomate, pimentão, alface orgânicos e seu interesse vai aumentando cada vez mais. Comecei a entender que comer orgânico é remédio. O Rogerio super doente fazia dezenas de exames e a doença começava a estagnar por causa da boa alimentação. Comecei a refletir que, se no corpo dele que estava doente o orgânico estava fazendo a diferença, imagine no meu que é saudável. Isso é incrível.
O Carrito Organic Food
Carrito é feito de experiências e de energia. nós alimentamos o espírito dos nossos clientes e é muito difícil chegar nesse patamar do entendimento do significado de uma comida orgânica. Eu gostaria muito que as pessoas tivessem o entendimento de que devem comer melhor. Quando nomeei o Carrito eu soube que também seria uma forma de colocar a minha voz e aquilo que acredito que seja o melhor para o mundo em que vivemos. A cozinha orgânica é um ambiente mágico porque você está criando o tempo todo.
O restaurante da Camila fica na Alameda Tietê, 636 nos Jardins em São Paulo. O telefone para reservas e informações é: 11 3088-3220