Ela tem o poder e a felicidade de estar no lugar certo, na hora certa e leva consigo por onde vai uma família incrível e o melhor tomate seco orgânico do Universo
por Kátia Bagnarelli, exclusivo para Jornal Onews
Renata Petrone é o nome dela e a nossa entrevista foi tão marcante e envolvente quanto sua identidade. A cidade que Renata escolheu ao lado do marido e sócio, Armando Petrone, para viver com a família foi a pacata Novo Horizonte, no interior de São Paulo.
O que a cidade não sabia naqueles anos 90, era que sua história e desenvolvimento se misturariam com o sucesso pioneiro do tomate seco no Brasil.
Pelas mãos e empenho da nutricionista recém chegada, sua família e um grupo de mulheres que fazem parte da fábrica desde o início, a produção se estendeu a uma série de antepastos exclusivos que recentemente foram certificados como orgânicos, num movimento coordenado e promissor para todo o varejo nacional.
Como tudo foi possível é ela mesma quem nos conta, numa narrativa apaixonante e que ao final nos dá fome de Antipasti. Saboreie a leitura a seguir.
Como tudo começou
“Sou nutricionista, tínhamos um restaurante em São Paulo que se chamava “Gosto Gostoso”, sempre fomos muito ligados à comida gostosa. Minha casa sempre foi regada a comida boa e farta. Saímos da capital pois tínhamos a ideia de montar um negócio próprio no interior e viver por aqui.
Chegamos há 31 anos, com o nosso filho Thiago de apenas seis anos. Quando chegamos a ideia não era montar uma indústria de alimentos.
Tínhamos várias outras ideias e a primeira delas foi um pequeno restaurante. Nesse restaurante nós servimos de couvert o tomate seco, que era algo muito novo no Brasil.
Nós tínhamos uma receita caseira desse tomate seco, que é maravilhosa. Começamos a oferecer esse tomate de couvert e as pessoas ficaram encantadas. Numa cidadezinha pequena, com uma tradição gourmet, com uma comida regional muito boa, eles amavam e elogiavam.
Pensamos então, naquele momento, na possibilidade de fazer esse produto em grande quantidade para comercializá-lo. Coincidentemente viemos parar numa cidade que é o centro da produção de tomate rasteiro em São Paulo.
Sabe quando você está no lugar certo e na hora certa?
Essa é a impressão que tenho da nossa história e da nossa vida, estávamos no lugar certo, na hora certa. Montamos a fábrica e foi um estouro de sucesso, apresentamos o produto para o cliente Jardineira Grill de Cotia, na época ela tinha acabado de abrir com um conceito novo de buffet com frutos do mar, algo muito farto.
Fez todo sentido para eles. Conhecemos o gerente e apresentamos a ele o produto que, logo na primeira semana, comprou 40 kg.
Nós não sabíamos nem como produzir 40 kg pois fazíamos apenas 4 ou 5 kg para o couvert da semana do nosso próprio restaurante.
Corremos atrás de comprar equipamentos, assadeiras e fornos para entregar o pedido dele. Quando entregamos ele nos perguntou se queríamos vender mais. Armando, meu sócio e meu marido (nessa empreitada a quatro mãos), disse que sim e na semana seguinte tínhamos mais três ou quatro churrascarias comprando o nosso tomate seco.
Em um mês estávamos vendendo 400 kg e em um ano estávamos vendendo mil quilos do produto por semana.
Na época o tomate seco era uma iguaria, algo de restaurante chique e então todos os chefs destes restaurantes ficaram encantados, como por exemplo Alex Atala que na época estava no restaurante Filomena.
O couvert do Filomena passou a ser o nosso tomate com alho assado.
Os chefs incentivaram muito o pequeno produtor, na prática, não era somente na teoria, eles davam muito valor para o pequeno produtor artesanal. Eles escalaram a nossa venda, nos indicando, convidando para as feiras. Deu tudo muito certo.
Claro que houveram fases onde já não éramos os únicos e nem os primeiros com produtos no mercado.
Uns produtos de baixa qualidade que pelo fato de não serem bons fizeram muito mal à imagem do tomate seco no Brasil. Houve uma época na sequência em que você falava de tomate seco e a pessoa respondia que não
gostava. Era uma história que escutamos muito porque as pessoas começaram a comer um tomate ruim ofertado pelo mercado, que é feito em grande escala, em estufas que deixavam o produto super seco, ressecado.
Tivemos várias fases, passamos por vários planos econômicos no Brasil, mas com muito amor e muita força de vontade e perseverança passamos por tudo e estamos aqui.
O nascimento dos orgânicos
Eu já tinha uma vontade muito grande de fazer nossos produtos orgânicos, e desde o ano passado nós temos a linha que sempre foi convencional, agora certificada também em orgânicos. Essa linha atual de orgânicos foi criada há uns seis anos atrás quando abrimos uma boutique em São Paulo. Era uma boutique com os pães da nossa filha Juliana, formada padeira em Nova Iorque.
Lançamos uma linha de dez produtos para a loja dela, que fazia os pães e vendia a linha de antepastos. Até então éramos uma empresa exclusivamente de food service. Nós não tínhamos a linha varejo, ela nasceu naquela época com a loja da Juliana.
Percebemos depois que os grandes empórios e os supermercados de qualidade queriam o produto e então estendemos essa venda para outros locais, foi quando descobrimos um mercado que é incrível.
Nossa marca já existia há 25 anos, mas era conhecida apenas pelas cozinhas dos restaurantes e não pelo público final no varejo. O ano passado, logo após o fechamento do comércio em plena pandemia, consegui colocar finalmente em prática o sonho dos orgânicos.
O processo de transição
Ficamos extremamente ociosos na fábrica porque toda a cadeia de food service que nós atendemos estava parada. Tínhamos um estoque grande. Ficamos dois ou três meses sem produzir nada.
Foi daí que eu me certifiquei, estudei em nossa região quais eram os produtos orgânicos que eu tinha em quantidade, em facilidade de abastecimento. Escolhi seis itens que recebo em matéria prima dos produtores orgânicos locais.
Eu queria mas não conhecia e fiquei encantada com a quantidade de produtores orgânicos que eu nem sabia que existia por aqui. Dentro dessa filosofia toda dos orgânicos vamos então mudando nosso olhar em relação a tudo.
Essa parceria com o pequeno produtor rural é algo que me deixou impressionada pelo trabalho que eles têm e pela dificuldade em escoar o produto orgânico.
Já vi muitas colheitas não existirem por alguma diversidade de clima, porque entrou algum fungo que eles não estavam esperando, porque esquentou muito e choveu pouco, por exemplo.
Nós valorizamos muito a matéria prima, tanto e ao ponto de, muitas vezes, além de comprar a primeira linha eu compro a segunda também. Eu faço com que a produção dele seja completamente aproveitada.
E o que é segunda linha para um produto orgânico?
Não é um produto estragado, é um produto com uma casca mais clara por exemplo, mais branca, uma casca com verruga, ou uma abobrinha que tem umas ondinhas meia crespas na casca, ou maior do que o tamanho de
mercado porque há um padrão. Para mim, que os corta não faz diferença nenhuma. Consigo transformar um produto que iria muitas vezes para o lixo em um ganho para o produtor, o transformo em um produto top, premium. Isso me dá muito gosto, me traz um prazer enorme. Não gosto de nenhum desperdício em casa.
Poder aproveitar uma segunda linha e fazer dela um produto de qualidade, me traz muito prazer. Ao mesmo tempo que colaboramos com o produtor. Os produtos orgânicos foram para o mercado em agosto do ano passado.
É muito recente, nós já estamos em alguns lugares importantes como o Eataly, Santa Luzia, Santa Maria, todas as lojas do supermercado St. Marchê, alguns supermercados orgânicos especializados como Soli, algumas lojas de empórios menores orgânicas, entretanto ainda não temos uma escala de orgânicos enorme porque foi muito difícil para vender durante a pandemia. As pessoas não podiam nos receber para entrevistas.
Receber produtos para novas introduções que dependem de reuniões, eles não faziam por estarem em home office.
Lixo zero
Nós temos um conceito de lixo zero na fábrica. Todo produto que é cortado, uma casca que é retirada, uma verruga que se retira, um umbigo que se retira ainda é um produto orgânico bom e isso tudo vai para a
alimentação animal. Como estamos numa cidade com vários sitiantes, muitas vezes na época da seca há uma disputa por essa sobra, que não é lixo. Eles pegam diariamente estes alimentos frescos e quando não pegam diariamente nós colocamos na câmara fria para que peguem dali a dois dias, para alimentação animal.
E todo o resto que compramos em vasilhames, PET, papelão ou vidro é encaminhado para reciclagem. Fazemos força para conquistarmos um ciclo virtuoso dentro da fábrica de aproveitamento dos produtos na sua íntegra com pouquíssimo desperdício e, mesmo este desperdício que sai da produção, encaminhamos para a alimentação animal. Isso me traz muito orgulho.
Os colaboradores
Uma oferta de trabalho registrado, por incrível que pareça, numa condição legalizada, é uma coisa difícil e que não existia aqui. Foi muito bom poder empregar pessoas que estavam aqui sem muita perspectiva de trabalho, poder treiná-las, capacitá-las, oferecendo uma condição de trabalho justa.
Principalmente para as mulheres de meia idade. A única perspectiva que elas tinham era na roça, de sol a sol, catando coisas. Temos funcionárias de mais de 10 ou 15 anos. Outras tenho já há 20 ou 25 anos. O que é bárbaro.
A transição no processo de convencional para orgânico
É um investimento que vale muito a pena para qualquer empresa, não vou dizer que é um processo menos trabalhoso. É mais trabalhoso do que difícil, no sentido de se adaptar às novas regras.
Não é um processo difícil. É o empresário se predispor a este trabalho maior ao produzir os orgânicos, por todos os controles que temos que apresentar para certificação.
Em termos de matéria prima a oferta é muito grande. A industrialização da matéria prima orgânica está num momento fácil.
Anos atrás era muito difícil porque tinha muito pouca oferta e o preço era muito alto. Hoje em dia vejo muito mais, em algumas épocas do ano, a matéria prima orgânica, considerando que eu compro aqui do interior, direto do produtor sem atravessador.
No auge da safra o preço é equiparado ao convencional. Estamos num bom momento para se industrializar o orgânico. Em contrapartida, o mercado hoje em dia tem uma aceitação incrível.
É um produto muito procurado. Há lugares em que vendo o convencional e o orgânico, vendo os dois para a mesma loja. O convencional é mais barato e o orgânico é mais caro, porém vendemos mais orgânico do que convencional.
A relação é de procura, principalmente em relação ao tomate, que por história se ouvia dizer que usa-se muito mais agrotóxico. O tomate convencional ganhou essa imagem de veículo de toxina.
Fazemos exames para entender a toxina presente no tomate. Vendemos, por exemplo, uma pasta de tomate para a Casa do Pão de Queijo, há muitos anos e anualmente temos que fazer um exame de toxicidade do produto.
Acredito que valha a pena a produção orgânica, ela tem um grande potencial, uma facilidade hoje em dia de obter matéria prima e a implantação desse processo não vejo como algo oneroso ou difícil.
Os consumidores
A nova geração de consumidores já é muito instruída em relação a isso. Claro que estamos falando de uma geração com acesso bom à educação e que tem uma consciência ambiental muito maior do que as nossas gerações passadas.
Essa geração de até os seus 35 anos já veem com isso incutido, como se essa consciência estivesse no DNA, com essa vontade de consumir as marcas que tem esse ideal ambiental e social. O impedimento atual para o maior consumo está muito mais no preço do que na instrução dos benefícios e vantagens.
Vai depender do aumento da quantidade de produto orgânico no mercado, quanto maior mais acessível será, maior a concorrência e menores os preços. Haverá uma diferença muito menor do convencional para o orgânico e poderão adquiri-los em maior quantidade.
O processo de conscientização dos consumidores, estão cada vez mais recebendo desde cedo. A nossa geração é que precisa destas instruções.
Acredito que daqui a 10 anos haverá uma tendência natural do consumo e da oferta maiores.
É um movimento mundial e o investimento para ter produtos orgânicos nas suas gôndolas por parte das grandes redes é maciço.
Os desafios
25 anos é uma vida, como um casamento, com várias crises. Me lembro que quando éramos líderes de mercado e não tínhamos concorrência nós nos deparamos com essa enxurrada de produtos ruins e mais baratos, esse momento foi desafiador. Perder clientes para uma mercadoria pior porque era mais barata.
A maioria destes clientes voltou pois viu que não valeu a pena, mas tivemos que adequar o preço, claro que não poderíamos cobrar tão barato mas tivemos que chegar mais próximos do preço ofertado e com isso houve toda uma reestruturação de produção, porque afinal ele não é mais caro porque queremos cobrar caro, a produção dele é muito mais difícil por ser artesanal.
Nesse processo me lembro, deu friozinho na barriga. Já tínhamos uns 8 anos de fábrica.
Outro momento desafiador foi há uns 8 anos atrás quando nós resolvemos com um projeto próprio a partir do imenso conhecimento que adquirimos da produção, produzir mais investindo em tecnologia e equipamentos.
Fizemos um estudo identificando quais eram os gargalos, quais processos eu teria que melhorar para que eu tivesse maior produtividade com menor mão de obra.
Só que não existe isso no mundo, pode procurar isso na China, na Itália, não tem equipamentos que possam produzir como eu produzo com o resultado artesanal.
Existem grandes estufas que irão produzir aquele tomate duro e seco. Depois que identifiquei os gargalos e o que poderia melhorar em termos de produção, relacionei o que eu precisaria e fui criando os equipamentos.
Criei carrinhos, criei estufas que não são estufas
de ventilação forçada, são estufas que mantêm o calor que eu preciso. Começamos então a ter uma produção em escala. Só que até eu mudar dos fornos que eu usava para estas estufas eu tive um processo de adequação de temperatura com ventilação, foi um momento em que errei muito querendo acertar.
Muitas vezes estava no meio de uma época sem estoque onde tinha que produzir mas a produção não estava dando certo porque o equipamento não estava rendendo o que eu queria, não estava saindo na qualidade que eu queria, nessa época achei que a empresa não teria forças para aguentar.
Entretanto foi com bastante gente competente em volta, executando as ideias – aqui nesta cidade a mão de obra para construção de equipamento é muito boa, tendo em vista as duas usinas grandes de açúcar, e então essa mão de obra nos favoreceu muito, foi uma sorte enorme.
Hoje em dia temos um esquema de produção incrível em termos de higiene, capacidade produtiva, otimização de mão de obra e por isso foi um grande sucesso apesar de muito difícil e com muito risco.
O terceiro frio na barriga foi em março do ano passado, quando todos os nossos clientes de food service ficaram fechados como medida de segurança na pandemia, o que perdurou por seis meses.
Achei que não fôssemos sobreviver. Foi uma estratégia que nos fez permanecermos aqui.
Quando vimos que todos os nossos clientes estavam fechados no dia 24 de março de 2020, e começamos a vender 20% do que vendíamos, pensamos que o que tínhamos para venda dos nossos produtos era o varejo e as lojas de alimentos que ainda estavam abertas.
Começamos a conversar com todos, tivemos uma abertura enorme, uma facilidade imensa de colocação porque os produtos são muito bonitos, são de muita qualidade, num momento em que o varejo vendeu muito também.
As pessoas que não viajavam mais ou que não iam mais a restaurantes, compravam mais para ficar em casa e consumiam nossos produtos em casa.
Passamos a ter uma venda com muito empenho e assim conseguimos um retorno bastante significativo desta linha, o que compensou a diminuição da venda do food service.
Não conseguimos isso em um ou dois meses, fomos conseguir isso em seis meses com um aumento gradual até chegar num nível bom.
Com isso, o meu dezembro
de 2020 foi o melhor dezembro da história da fábrica porque neste momento eu já tinha toda a linha orgânica que somou ao pacote de varejo.
Deu certo de sairmos 100% de um setor e migrar para outro que estava acontecendo com força, aquecido.
Os sonhos
Meus sonhos ainda são grandes. A nossa ideia é sair dessa pandemia mais fortalecido com possibilidade de se associar a pessoas e recursos humanos que possam nos fazer escalar ainda mais a fábrica, aumentar a produção porque viemos de uma administração familiar muito vitoriosa, mas com muitos limites de crescimento.
Tem que partir dessa eficiência para escalarmos a empresa agora, não cabe mais ficar do tamanho em que está, ela está num momento em que pode triplicar a produção, tem capacidade para isso.
Falta recurso humano com mente nova e rápida, capaz de nos auxiliar nessa expansão.
Precisamos esperar a pandemia passar porque não adianta investirmos numa estrutura maior sem saber se passaremos por uma nova onda e teremos que fechar novamente.
Nunca foi um plano de negócios, nunca foi feito no papel mas vejo que o empreendedor brasileiro é um batalhador no sentido de estar sempre se superando para seguir em frente ultrapassando os desafios.
Eu acho o empreendedor brasileiro um gigante pois é muito pouco incentivado, muito pouca ajuda recebe em todos os sentidos. Não sou só eu, somos todos nós, pequenos empresários empreendedores.
Falo como uma mulher empresária de muitos anos e que já passou por muitas fases na vida. Este é o momento para cada um perguntar a si mesmo, lá no fundo, qual é o seu propósito?
Se nos perguntarmos isso todos os dias, a nossa vida muda. E com a nossa vida mudando você caminha para que tudo a sua volta também mude. O meu propósito é que a minha vida, o meu negócio, abrace o maior número de pessoas possível.
Abraçar as pessoas em meu dia a dia, o meu funcionário que precisa, o produtor que chega a mim e que está desesperado porque tem uma mercadoria em produção para entregar que se não entregar por causa da pandemia ele perde tudo, abraçar minha funcionária quando ela chega com um problema, ou porque ela precisa sair ou porque precisa de dinheiro, abraçar com um sorriso o cobrador que apareceu na porta para pegar um cheque… sabe?
Não deixe a vida ir te levando sem que você levante essa questão a você mesmo, porque levantando essa questão a resposta vem. Sou muito feliz, nós somos muito felizes no que fazemos aqui e acredito que por isso seguimos em nosso propósito.
Eu tenho 60 anos, Armando tem 70, tudo o que faço é com muita alegria ainda e por isso creio que sigo no propósito. Apesar de nossos 25 anos à frente de uma pequena empresa, com todos os altos e baixos e desafios, isso tudo ainda me estimula e me impulsiona.”
“A influência da família foi o mais importante, não tínhamos amigos de infância, nossos amigos foram construídos aqui no período em que nós iniciamos nossa vida na cidade”
A frase é de Armando, marido e sócio da Renata. De fala mansa e segura ele nos leva a uma volta ao passado enfatizando durante toda a entrevista o quanto a união entre eles foi o alicerce para a construção de uma história de sucesso desde o marco zero numa nova cidade.
“Nós decidimos mudar radicalmente de vida, procurando tranquilidade e sossego. Além de qualidade de vida para nossos filhos, a Renata já estava grávida da Juliana quando resolvemos nos mudar. Thiago tinha seis anos.
A nossa chegada a Novo Horizonte foi calma numa certa forma pela tranquilidade da cidade, mas com um pouco de dificuldade na parte profissional porque não tínhamos muita oportunidade a princípio.
Tivemos que ser bem criativos para poder tentar fazer alguma coisa, do restaurante que montamos apareceu a oportunidade de fazermos o tomate seco e foi o que iniciou a nossa vida na gastronomia.
Um amigo foi até o restaurante e insisti para que ele fosse comigo comer uma pizza. Ele era muito simples e achava que o restaurante não era para ele, mas foi e comeu o tomate seco.
Uns dois dias depois me encontrei com ele na rua e ele me disse: “Armando, você tem que fechar o restaurante e sair vendendo aquele tomate, não é possível uma coisa daquela”. Passou um tempo eu falei, vou tentar vender esse tomate! E saí vendendo.
Tive uma negativa quando fui para São José do Rio Preto e quase desisti, até que resolvi ir para São Paulo, numa praça maior, onde as pessoas já conheciam tomate seco.
Graças a Deus ele fez um sucesso muito rápido e bem inesperado para nós.
Com apoio de alguns chefs como Alex Atala e Laurent, que nos ajudaram bastante neste início, foi mais tranquilo, mas assim que o tomate seco se popularizou, começaram a vir as dificuldades, os desafios maiores.
Quanto ao orgânico, não tivemos ainda dificuldades por ser um produto bem seletivo.
Nós somos conhecidos pelo nosso carro chefe que tem muita qualidade, é um tomate muito bom e que hoje é conhecido no Brasil inteiro, então fica mais fácil para colocar o orgânico no mercado.
A união em família
Nossa chegada em Novo Horizonte fez com que nós nos uníssemos e ficássemos cada vez mais próximos porque não tínhamos parentes, não tínhamos amigos de infância, nossos amigos foram construídos aqui no período em que nós iniciamos nossa vida na cidade.
A família foi muito importante, tudo o que acontecia de bom ou de ruim tinha que ser resolvido ali, não dava para levar para casa de ninguém e a coisa tinha que ser resolvida em nossa casa.
Todo mundo sabia que eu tinha que sair para viajar, para trabalhar, para buscar pedidos para a fábrica, e todo mundo sabia que a Renata tinha que ir para a produção.
E cada vez mais as vendas aumentando e as dificuldades aparecendo e a gente tinha que resolver tudo, mas de uma certa forma foi muito, muito importante para o crescimento das crianças.
Novo Horizonte também trouxe espaço e tempo para que essas coisas acontecessem.
Nós tínhamos tempo suficiente para trabalhar, para viajar, para chegar em casa e ter tempo para ficar com eles, e para juntar a família sempre que a gente podia.
O futuro
O mundo caminha para a qualidade em saúde, para produtos que ofereçam saúde e o orgânico tem tudo a ver com uma geração que vem vindo aí procurando esse tipo de alimentação, uma alimentação mais saudável para a família, para os filhos, querendo sair daquele convencional com agrotóxicos.
Creio que nesses próximos 4 ou 5 anos deve haver uma evolução em termos globais em relação ao orgânico.
Porque agora ele está aparecendo, agora estão aparecendo lojas importantes, nomes importantes que estão tratando orgânico de uma outra forma.
Antes era apenas uma parte da sociedade mais alternativa que procurava por orgânico.
Hoje não, hoje eu e você vamos ao supermercado e percebemos pessoas de todos os níveis sociais que estão lá dentro fazendo suas compras procurando por, pelo menos, um ou dois produtos orgânicos para levar para casa.
Temos que entender que o orgânico não é ainda acessível para todo mundo.
Todos os produtos orgânicos tem um valor agregado maior e são mais caros realmente, mas acredito que com o passar do tempo e com o conhecimento e a necessidade que as pessoas vão sentindo em relação a isso, deva melhorar.”
Direto da Itália, o depoimento emocionante de Juliana Petrone, explica a “jóia” que construíram
“A antipasti pra mim tinha sabor de futuro, era a empresa já muito importante e sólida em que os meus pais trabalharam tanto para fazer um nome no mercado, a Villagio.
Antipasti era o novo modelo, o novo mercado, era uma frente nova onde os produtos poderiam ter a real visibilidade e o valor justo.
A ideia da loja, que abrimos juntos, foi uma confirmação que o produto se vende, que o mercado procurava esse tipo de venda, existia uma carência, e que o que construímos é muito mais que um produto, é uma jóia.
Eu sou muito grata por ter feito parte desse começo de história, de termos aprendido tanto juntos, e por ter visto a Antipasti decolar depois que abrimos a loja.
O meu papel dentro da Antipasti sempre foi os pães, doces e pratos, a gestão era dividida entre nós duas (mãe e filha). E o futuro era ali, dentro daquela portinha no Jardins, até que cresceu!
Fomos chamados para expor e vender nossos produtos em pontos de vendas muito importantes em São Paulo. Nosso sonho estava começando a criar asas e se espalhar.
A Antipasti pra mim é vitória, realização, é uma nova frente de uma indústria sólida e com muita qualidade. Antipasti era o futuro da Villagio, tinha a nossa cara e hoje tem a nossa história por trás de tudo.
A Antipasti me deu a oportunidade de estudar a panificação, me deu a oportunidade de gerenciar uma cozinha, lidar com funcionários, fornecedores, eu tinha o que todos os apaixonados por cozinha precisam: uma cozinha pra chamar de minha, onde podia criar, provar, errar e aprender muito.
Além de um currículo como empreendedora com 23 anos, que me deu muita experiência, com pessoas, clientes, fornecedores, entre erros e acertos.
A minha mãe sempre foi um exemplo de força, mulher, empreendedora e pessoa pra mim, o contato diário me ensinou muito, trocamos muitas experiências e crescemos muito juntas.
A ANTIPASTI foi a confirmação de tudo que eu já sabia em relação ao lindo trabalho que meus pais fazem juntos por anos. Me influenciou muito mais como pessoa.
Criar e realizar esse sonho com eles e ver que está vivo e crescendo até hoje é com certeza uma das minhas realizações pessoais e profissionais mais importantes. Minha relação com os produtos orgânicos em geral é diária. Hoje vivo na Europa, compro de pequenos produtores todos os dias.
Consumo produtos orgânicos, é uma escolha de vida, uma escolha social. Fazer girar uma economia esquecida é muito importante em cada realidade, se não fundamental.
Reconheço que vivo em uma realidade diferente e sei que o Brasil precisa ainda de muito trabalho para enxergar o produto, o produtor e a indústria sustentável de uma maneira mais normal, é uma viagem longa, mas tenho certeza que abrir essa frente, apoiar esse movimento, evoluir e acompanhar o futuro está sendo de novo uma nova fase de vida para a empresa dos meus pais, que está sempre em evolução.”
A família recebeu a mais nova integrante dos Petrone, Zoe nasceu durante a edição desta reportagem.
Ele só tinha seis anos quando os Petrone se mudaram para Novo Horizonte, mas sua história ficou mais bonita também
Desde o início da entrevista da Renata ela enfatiza que a decisão de se mudarem de São Paulo para o interior foi principalmente impulsionada pela necessidade de entregar a Thiago Petrone, o primeiro filho, uma melhor qualidade de vida. Ela ainda nos conta que foram os filhos que os influenciaram à certificação orgânica. Nós perguntamos ao Thiago o que se recorda da infância e seu depoimento é surpreendente. Leia, na íntegra a seguir.
“Para mim é novidade a história de termos vindo para o interior por minha causa quando criança. Meus pais sempre tiveram muita autonomia apesar de ter algumas memórias de conversas profundas de caminhos familiares ainda muito jovem, tenho pouco esse sentimento, o mérito é todo deles na verdade. Eles se dedicaram muito para construir essa empresa, a marca e tudo o que ela representa.
Eu fui para Novo Horizonte com seis ou sete anos, portanto tenho poucas memórias de São Paulo e sinceramente não tinha essa realização quando era criança, do quanto o ambiente de São Paulo era prejudicial. Eu não sabia o quanto uma criança poderia aproveitar melhor a infância num outro lugar, fui descobrir isso quando fui para Novo Horizonte realmente.
Me lembro que era uma criança um pouco medrosa em São Paulo, não sei se por natureza ou por experiências. Tive uma fase com alguns episódios de bullying de pessoas em meu prédio, que eram bem mais velhos, me assustando, e meus primos também me assustavam.
Comecei a ter bastante dificuldade para dormir. Prestava muita atenção nos barulhos. Isso por volta de 6 anos de idade. Meus pais conversaram muito comigo sobre isso na época, e foi algo que, quando fui para Novo Horizonte, deixou de existir, magicamente ele foi retirado de mim.
Tenho muitas memórias boas também, a questão do medo foi bem pontual e ao final do período que moramos em São Paulo. Moramos no Brooklin, na rua Guararapes, era próximo da casa do meu avô e primos que eram vizinhos, estava sempre com eles.
São Paulo há trinta anos era outra São Paulo. Nem era uma cidade tão violenta, na verdade. Moramos num apartamento, tenho uma memória daquele lugar que me marcou muito. Foi quando eu aprendi a ler. Isso aconteceu na sala da minha mãe, sentado numa poltrona, de repente.
Eu tinha uns 5 ou 6 anos e foi algo incrível. Estava olhando para a capa de um livro que minha avó tinha me dado e de repente aquilo fez sentido para mim. Eu estava lá sentado com o livro na mão e realizei que eu tinha conseguido ler o título do livro que eu nunca vou esquecer: “A verdade é que conduz à luz eterna”, era um livro bíblico.
Eu chamei minha mãe e perguntei:
“Aqui está escrito isso?”, me lembro como se fosse hoje, ela olhou para o livro, olhou para mim e perguntou como eu havia lido sozinho. Eu disse muito animado, que tinha acabado de aprender a ler.
Essa memória, essa lembrança, é algo pelo qual tenho muito carinho porque depois disso me apaixonei pela leitura. Me deu muita força, por ter feito aquilo sozinho e antes de meus amigos do colégio, me agarrei com muita confiança, o que me moldou bastante até os dias de hoje.
Minhas experiências e os caminhos que trilhei foram moldados por este momento, inclusive do ponto de vista acadêmico. Quando fui para Novo Horizonte vi que a vida era muito melhor lá. Era uma vida literalmente brincando na rua, pé descalço, machucando dedo, aprendendo a andar de bicicleta, e eu sempre fui bem aventureiro, bem espoleta, vivia meio ralado ou com a cabeça machucada.
Dei trabalho neste sentido. Fazia amizades fáceis, não sou uma pessoa fácil, nem sei se cresci uma pessoa difícil mas ao mesmo tempo esse primeiro contato, essa primeira amizade sempre foi algo natural, tinha facilidade em entender as pessoas e me relacionar. Mudamos para uma casa num lugar simples, ali as crianças realmente brincam na rua, com brincadeira de criança, pega-pega, esconde-esconde, amarelinha.
Tínhamos esse lance de liberdade que encontramos quando abrimos o portão de casa e saímos sozinhos. Íamos encontrar o nosso pessoal, nossos amigos. A Ju estava para nascer. Nos mudamos desta casa logo depois para uma nova que minha mãe construiu. Como a Juliana era muito nova, muito pequena, a atenção era necessária, então eu ia e voltava da escola sozinho.
Fazia as coisas de forma bem autônoma e isso foi algo que também me marcou bastante. Neste início onde tínhamos acabado de mudar a situação era de muito trabalho para meus pais que acabavam não ficando em casa, sem muito tempo, eu tinha que me virar.
Eu não questionava, mesmo porque, meus amigos tinham essa autonomia e liberdade também. Uma grande característica dessa ausência foi o que me deu autonomia e liberdade e fui ganhando confiança nisso para poder fazer as minhas coisas por mim mesmo. Meus pais abriram neste meio tempo um restaurante.
Eu trabalhava com eles. Nas férias ia com meu pai para São Paulo para fazer entregas.
Foram sete anos dessa transição onde eles abriram o restaurante, começaram a vender o tomate seco e eu voltei a morar em São Paulo. Aquela autonomia do interior impactou bastante em minhas decisões como jovem.
Junto com meus pais decidi sair de Novo Horizonte para fazer o colegial sozinho, enquanto eles continuavam lá. Fui morar com minha avó no Brooklin, na mesma casa em que ela morava na época que estávamos em São Paulo, vizinhos dos meus primos.
Meu pai quando ia às quartas feiras fazer entrega em São Paulo, ficava na casa da minha avó e dormia em meu quarto que era um quarto que havia sido do meu tio e estava vazio.
Era bom porque me encontrava com ele toda semana, viajávamos no final do ano em família. Íamos para praia que era algo que eu gostava demais, o que também mudou minha vida.
Eles tinham uma casa no litoral norte de São Paulo, que eles compraram quando se casaram, era um chalé. Sempre fui ligado emocionalmente aquele lugar e o carreguei para sempre. Muitas das decisões que tomei na vida foram por conta dessa proximidade, desse afeto com a praia, com o mar, com aquele lugar.
Terminei o colegial, meus pais continuavam com a indústria. Depois eles mudaram para São Paulo, fomos morar juntos novamente.
Quando o primeiro computador chegou em nossa casa eu já gostava de computador, da Tv, do vídeo cassete, era dos eletrônicos e já sabia mexer em tudo.
Fiquei muito em dúvida se fazia ciência da computação ou engenharia. Aqui resgato outra memória muito forte para mim que é do meu avô, pai da minha mãe, com quem tive muito pouco contato mas muita afinidade.
Uma das coisas que herdei psicologicamente ou geneticamente da família da minha mãe é esse lance de entender até o final, eu tinha facilidade para mexer no computador mas não entendi como ele funcionava.
Decidi pela engenharia eletrônica porque queria entender, sabia operar mas não sabia como aquilo funcionava. Isso me incomodava. Acredito que sempre enxerguei a indústria Antipasti como o trabalho dos meus pais. No sentido de que tinham talvez três barreiras importantes para me enxergar participando daquilo.
Uma era o ambiente. Minha avó, mãe da minha mãe é de indústria e meu avô construiu uma indústria também, eu já sabia que não gostava do ambiente industrial, era um lugar onde as pessoas acordam cedo e eu não gostava de acordar cedo, as pessoas ficavam de pé o dia inteiro e eu não gostava de ficar de pé o dia inteiro, sempre fui muito sensível a cheiro, e na época a indústria dos meus avós era de materiais isolantes de verniz, eu não gostava daquele cheiro de química.
Mas o trabalho do meu pai no computador era ótimo. Sempre acho que esse lance de trabalho em família, nunca foi um negócio bem resolvido, tiveram vários conflitos familiares em torno disso e até as coisas engrenaram e eles seguirem o caminho de sucesso sempre via como uma questão que era complicada, mas que precisava ter o protagonismo deles para que eles se dessem bem.
Não sei sou um pouco do contra mas não trilhei os mesmos passos dos meus pais, não me via inserido naquela realidade, apesar de ter muito amor, não tinha afinidade.
Sempre olhava o que eu realmente queria fazer ao invés de me voltar para a obrigação de um legado. Isso puxei da minha mãe, ela tem essa visão clara e objetiva em metas.
E isso me acompanhou a vida inteira, sempre fui capaz de construir as coisas, eu era um menino do lego, gostava de construir. Hoje construo softwares, construí minha empresa durante a faculdade de engenharia.
Sempre gostei de dar vida às coisas, sempre optei por ter uma coisa prática, palpável, tangível, que funcionava.
Olhar para algo que eu tenha inventado funcionando, sempre foi o que me deu muito prazer. Numa outra época fizemos um “foodtuck “, não era um foodtruck e sim tuck, era como um tuck tuck de comida e foi uma empreitada super interessante para mim.
Num outro período criei um sistema para instalar no tuck por onde poderia fazer os pedidos pelos celular e minha irmã recebia lá dentro, fazia fechamento de conta, agilizando a comunicação.
Tem uma pegada de alquimia no DNA da minha mãe que eu herdei também, nós sabemos o que vai acontecer com os alimentos. Meu avô era engenheiro químico, sabemos o que vai acontecer antes de expor o processo.
Minha mãe consegue intuir a reação química que vai ocorrer numa determinada etapa.
Os orgânicos
Acredito que tenha sido um processo, acho que minha mãe passou por um processo de conscientização do planeta. Minha geração tem bastante influência nisso, mas ela foi construindo essa coisa de recursos naturais, utilização da água, utilização do sabão, separação do lixo.
Vejo o orgânico como o auge, onde culminou todo esse processo que minha mãe passou.
Em vários outros ângulos da vida dela, estava consciente de ter uma pegada mais amigável no planeta. Não só no trabalho e no que estava produzindo.
Foi um processo muito pessoal. Hoje chego na casa da minha mãe e vejo o lixo separado, coisa que era inimaginável antes, porque realmente era um negócio geracional.
O pessoal não acreditava que faria alguma diferença. Ela chegava em minha casa e via tudo separado, queria saber, perguntava e falava sobre isso comigo.
Ela se envolveu com a coleta seletiva em Novo Horizonte, com a Associação da cidade. Foi um processo em que ela percebeu que o mundo tinha mudado e para ela fazia sentido mudar também.
Ela interiorizou e óbvio que minha mãe por ser super empreendedora, percebeu que podia evoluir e se destacar.
O futuro consciente
Estamos engatinhando no Brasil, muitas vezes perdidos. Há saída, precisamos comunicar, levar informação de qualidade, mas existe uma outra força esmagadora de desinformação e a grande parcela da sociedade não está preocupada, ela está tentando sobreviver, matando um leão por dia porque isso é o que move a sociedade e não só no Brasil.
Esse despertar sustentável para mim tem relação com educação e informação de qualidade que chega para que as pessoas possam pensar, com autonomia e liberdade para terem suas próprias ideias, para terem tempo de parar pra respirar e refletir.
A cultura do imediatismo de sobrevivência é o que está acabando conosco.
E isso é só a parte debaixo, tem um problema em toda a parte de cima que são 1% da população que acumula 60% da riqueza do mundo.
Não vejo outro caminho a não ser a educação.”