A necessidade da tomada de consciência para melhor cuidar do meio ambiente que somos nós e o que está a nossa volta.
por Onews com o psicanalista Fabio Eroli
Em busca das respostas que podem justificar a dificuldade do ser humano em perceber a natureza como parte de si e depois disso se interessar em cuidar dela, a nossa redação conversou com o Psicanalista, Especialista em Neurociências e Sócio Diretor da NeuroSkills, Fabio Eroli. A seguir a entrevista completa.
Onews: O que é equilíbrio e gestão emocionais?
Fabio: Equilíbrio podemos chamar do estado mental, psicologicamente falando, no qual sentimos a percepção de tranquilidade (mais conhecida como paz interior), e que nos dá a condição de ponderar, em momentos de crises e conflitos internos, sobre os gatilhos reais e os imaginários que muitas vezes são a razão do nosso sofrimento psíquico. Vale considerar que equilíbrio em seu conceito, que advém da física, é: “posição estável de um corpo, sem oscilações ou desvios.”
Já a gestão das emoções se dá à medida em que, primeiramente, as conhecemos para, depois, saber o que fazer quando cada uma delas se faz presente em diferentes situações do nosso dia a dia. No senso comum existe a ideia de que podemos “controlar” as emoções. Penso que pouquíssimas, se é que existem, coisas na vida podemos controlar. Ainda que estejamos falando sobre questões materiais e objetivas, corremos o risco de sermos atravessados pelo inesperado, pelas adversidades e pela mudança natural de rota. Quando falamos em sistema emocional, gosto da ideia de que conseguimos construir a possibilidade de fazermos a gestão das emoções considerando o fato de que o “combo”, ou seja, todas elas – estamos falando de 27 – são parte constituinte da natureza humana, que são: admiração, adoração, apreciação estética, diversão, ansiedade, temor, estranheza, tédio, calma, confusão, desejo, nojo, dor empática, encantamento, inveja, excitação, medo, horror, interesse, alegria, nostalgia, romance, tristeza, satisfação, desejo sexual, simpatia e triunfo. Somente através do exercício de autoconhecimento e aumento da capacidade perceptual é que acessamos, reconhecemos e, então, ajustamos as diferentes cenas que nos atravessam minuto a minuto no decorrer de toda a vida.
Onews: Por que algumas pessoas compreendem a importância da sustentabilidade e outras não se ocupam do assunto? Qual a relação dessa questão com saúde emocional?
Essa compreensão sobre sustentabilidade e sua importância tem a ver com demandas espontâneas e especificas de cada indivíduo. No entanto, como somos fortemente influenciados pelo meio em que vivemos, trabalhamos e com as pessoas com as quais nos relacionamos, é importante dizer que é possível ampliar essa consciência utilizando ferramentas de comunicação, especialmente as redes sociais, que podem exercer um papel preponderante sobre a inserção da questão como uma demanda de responsabilidade coletiva. Vale ressaltar que a família tem papel central na disseminação do tema e na discussão sobre o impacto que nossos comportamentos têm sobre a questão. Quando falamos em saúde mental, precisamos compreender que a relação com o ambiente saudável, em seus mais diferentes aspectos, se conversa, e muito! Estar numa família emocionalmente estruturada cercado de afeto, cuidados – consigo e com o outro, com o meio ambiente, alimentação e movimentos do corpo se faz absolutamente essencial para construirmos, e mantermos, capacidade emocional e intelectual para lidarmos com as mais variadas situações que a vida nos coloca diariamente, bem como as oscilações por diferentes estados psicológicos. Ou seja, aumento da nossa condição de enfrentamento das dificuldades de forma orgânica, saudável.
Onews: É necessário que uma pessoa consiga gerenciar o seu processo emocional primeiro para que possa gerenciar os cuidados com o meio ambiente ao seu redor?
Quando pensamos na perspectiva de evolução do indivíduo, quanto mais nos (re)conhecemos, e compreendemos nosso “combo emocional”, melhor nos relacionamos com o meio ao nosso redor. Podemos imaginar partindo do micro (EU), para o macro (ambiente, família, natureza, sistemas sociais). Claro, para que isso aconteça, precisamos tomar consciência sobre quem somos, nossas capacidades, nossas limitações e nossa elasticidade para, então, ampliar esse olhar para o meio ambiente e considerar que essa interação depende da construção de uma relação saudável e amigável com aquilo que considero como fator de suma importância para nossa existência. Isso é o que podemos chamar de gerenciamento sustentável das nossas relações com o meio ao qual pertencemos, de onde viemos, vivemos e extraímos substrato para existirmos.
Onews: Qual é o primeiro passo na mudança de comportando neste sentido?
Sem sombra de dúvida é a tomada de consciência. Isso só se faz possível pela compreensão da importância que o meio ambiente exerce sobre nossas vidas. Quanto mais cedo formos apresentados aos cuidados que precisamos exercer sobre os recursos naturais e sua importância, melhor construímos a noção do quão importante é para manutenção da nossa vida e saúde, física e mental. É fácil relacionar este com saúde mental, pois passa, por exemplo, pelos alimentos que consumimos e suas interações orgânicas. Se nos preocupássemos, de fato, com a qualidade da nossa comida, da importância da variedade, da inserção de grãos nas refeições, fibras e outros nutrientes, certamente teríamos melhores condições de saúde e, consequentemente, reforço do nosso sistema imunológico que é comumente afetado quando estamos atravessando períodos de muito estresse e ansiedade. A alimentação e nossa relação com os recursos naturais têm papel central na gestão de processos críticos emocionais.
Onews: O ser humano é capaz de cuidar de si e da natureza ao mesmo tempo?
A capacidade de cuidar de si está instalada, digamos assim, na nossa condição humana. Embora de toda a cadeia de animais, os mais sensíveis, dependentes e frágeis somos nós, humanos. Veja, quando nascemos passamos bons anos (diria que alguns nunca saem da dependência), dependendo de alguém que nos alimente, nos aqueça, nos de conforto, afeto, carinho, atenção, nos ensine a falar, andar, controlar os esfíncteres, ou seja, fazer xixi e cocô, comer “direito”, horários de dormir e acordar, etc… Ou seja, poderia escrever um livro com 500 páginas sobre tudo o que precisamos aprender ao longo da vida, mas quero me ater ao fato de que absolutamente tudo o que somos capazes de fazer advém de aprendizado, direto e indireto, que se da pela observação, repetição, castração, reforço e punição. Portanto, sim, podemos aprender a capacidade de cuidar da natureza, assim como todas as outras competências que construímos ao longo da vida. O que precisamos é sermos direcionados, estimulados e expostos ao contato mais próximo com a natureza, seus mais variados elementos e a interação disso com a nossa condição de vida, que só se faz possível pela consciência da boa relação que precisamos manter para que a nossa vida seja possível. Isso é falar, diretamente, de saúde e equilíbrio. Onews: Existe alguma dificuldade para o ser humano em perceber a si mesmo como parte da natureza? Se sim, por quê?
Depois de alguns bons anos assistindo meus pacientes no consultório, eu diria que a capacidade do ser humano de se perceber como parte da natureza tem sido afetada, de forma bastante agressiva. Portanto, sim, vejo que essa dificuldade se faz pelos excessos que, cada dia mais, nos dá a ideia de que para vivermos bem precisamos TER as coisas. Que tudo se fabrica de forma artificial. Que as melhores soluções são as mais rápidas. Que a alegria se compra na farmácia. Talvez tenha até o nome de prozac. Que as facilidades da vida são adquiridas num leasing, na troca de casa, na busca por aceitação, na ideia bastante equivocada (porém, amplamente difundida), de que a tal felicidade só se faz real quando estiver com alguém, viajando para lugares incríveis, etc… isso só nos afasta das coisas reais, das coisas da terra e da consciência de que somos parte dessa natureza e de que a vida real só é possível porque a natureza nos proporciona materiais, substratos e recursos para que, somente depois disso, as coisas se tornem vendáveis.
Existe, na prática, um distanciamento da ideia de que somos, sim, parte dessa natureza, mas como só a percebemos nas prateleiras de supermercado e nos sites de e-comerce, ela se torna cinzenta… a ideia mais aproximada se dá quando descemos a serra a caminho do mar. Precisamos (re)pensar a nossa conexão com a natureza como sendo a nossa possibilidade de vida.
Onews: O processo de desenvolvimento emocional e psíquico pode ter como resultado eficaz a mudança de comportamento do ser humano para com o meio ?
Sem dúvida nenhuma o caminho para a mudança do indivíduo se dá através do conhecimento de nossas áreas de sombra. Inevitavelmente precisamos aprender e exercitar o olhar para dentro. Nomear nossas angústias, dificuldades, nossas muletas emocionais bem como nossas fortalezas. Isso é o que chamo de processo orgânico de autoconhecimento. Isso não se faz em poucas sessões, lendo memes de motivação ou assistindo aos gurus da felicidade. É um trabalho árduo, intenso e muito eficaz. Isso faz com que a nossa relação com as pessoas ao nosso redor possa mudar. Não porque temos capacidade de causar a transformação do outro, mas sim pela possibilidade de mudarmos a nós mesmos. Digo que quando trabalhamos algo em nós, que até então era desconhecido, automaticamente impactamos o outro, o ambiente e geralmente isso gera algum tipo de movimento. Não tem outra alternativa senão sentar-se num divã e abrir os arquivos para (re)organizar o “hd emocional” e ressignificar os fatos ocorridos para abrir possibilidade de lidar melhor com as novidades da vida.
Onews: As escolas e universidades têm algum papel nessa formação emocional eficaz?
Primeiramente eu diria que o centro do processo é a família. Mas como não temos a cultura de falar sobre nossas emoções, fragilidade, pontos de sensibilidade, fortalezas e medos, ficamos reféns do nosso destempero. Por isso sofremos tanto nas relações. Primeiro por não reconhecer o que me compõe e não saber como o outro funciona. Sim, vejo que quanto mais cedo fomentarmos isso nas escolas, melhores pessoas formaremos, do ponto de vista humanístico. Algumas escolas têm se atentado para a importância de prepararmos nossos educadores sobre o tema para que possam trabalhar com nossas crianças. É de extrema importância saber que nascemos com um “pacote de emoções” e que se soubermos usá-las, podemos ter relações mais saudáveis e, consequentemente, diminuir o sofrimento causado pela ignorância de si mesmo. Programas de educação sócio emocional tem sido desenvolvidos para auxiliar pais e professores a desenvolver a consciência do papel central que os afetos têm na vida das nossas crianças. Conseguir falar sobre o que nos aflige e o que nos fortalece é essencial para que tenhamos pessoas mais maduras, conscientes e, consequentemente, coerentes consigo e com os outros. Certamente o resultado deste trabalho a longo prazo é aumentar o nível de consciência social, melhoria nos processos de comunicação e empatia.
Onews: Que diferença faz ao ser humano consumir produtos e alimentos sem agrotóxicos e químicas no âmbito emocional e psíquico? Existe relação da saúde do corpo com a saúde da mente? Como funciona?
A diferença entre alimentos de qualidade, produzidos sem a utilização de venenos, essa é a verdade, faz com que não haja a absorção dessas toxinas todas que provocam perdas significativas
nas nossas crianças que ainda estão em desenvolvimento neurológico e também para nós, adultos, que podemos sofrer de doenças como Alzheimer e Parkinson de acordo com estudos recentes promovidos por diversas universidades de ponta ao redor do mundo. Já em relação a saúde do corpo e mente, tá ai uma questão importante e que merece nossa atenção. A nova medicina centrada na relação medico-paciente traz hoje uma nova especialidade sob a perspectiva da saúde integrativa. Significa que o paciente é visto sob a ótica da totalidade de seu funcionamento considerando aspectos físicos, psíquicos, biológicos, social e espiritual, inclusive. Atualmente temos trabalhado o foco no cuidado do paciente como um todo e não apenas no “órgão doente”. Esse é o novo olhar para o ser humano que precisa ser revisitado no sentido de tratá-lo como um todo e não em suas partes doentes.
“Assim como o homem não pode mais ser cuidado apenas a luz de sua patologia, mas sim do todo que compõe sua vida e suas relações, o nosso olhar sobre o planeta e a natureza também precisa contemplar a ideia da nossa dependência direta dos recursos naturais. Portanto, cuidar da natureza é cuidar da gente também. Somos íntegros, inteiros, unos, integrais. Não existe aquela máxima: “da porta pra dentro x da porta pra fora”. Não existe porta. Somos um único espaço que precisa de atenção e cuidados.” Fabio Eroli