“Quando governantes e legisladores escolhem a pauta que irão apoiar, eles entregam para a comunidade o que são e quais preocupações ou interesses orientavam suas escolhas.
E isso é muito impactante.
Por isso o primeiro sinal de que mudanças comportamentais e de direcionamento político e econômico precisam ser feitas para permitir ações que possam realmente cuidar do nosso planeta e das mais de 8 bilhões de infinitas possibilidades que coabitam nele é o apoio e o fomento à agricultura natural por políticas públicas que não transfiram para o agricultor, isoladamente, a responsabilidade de impulsionar essas mudanças.”
Um mundo de possibilidades para cuidar de nós
por Conceição Giori
O relatório da ONU sobre o estado da população mundial lançado em abril de 2023 revela que somos uma população de mais de 8 bilhões de pessoas vivendo neste planeta, nesse exato momento.
Certamente somos um coletivo de peso para o Terra e cada escolha que fazemos é um peso a mais que impomos à ela ou um alívio do fardo de mudanças negativas que obrigamos nosso planeta a suportar desde há muito.
A análise efetuada pelo Funda da População das Nações Unidas, UNFPA, intitulada “8 Bilhões de Vidas, Infinitas Possibilidades, o Caso de Defesa de Direitos e Escolhas” , nos oferece um olhar positivo sobre a possibilidade de nossas escolhas, revelando que podemos nos tornar conscientes de que mudanças apenas podem ser promovidas se for possível à nós compreendermos que todos temos a capacidade de enxergar o leque imenso de possibilidades para a melhor que cada vida neste planeta significa.
Para isso, é preciso, antes de tudo, reconhecer que cada vida tem valor em si e por si.
É preciso que cada vida seja percebida como um potencial latente e infinito de realizações e que cada vida tem um campo de possibilidades de se unir à vida da Terra e na Terra e se sentir uno com ela.
Num mundo de mais de 8 bilhões de pessoas, parece haver pouco espaço para mudanças que façam sentido e sejam capazes de conter o avanço preocupante de ações que já afetaram e continuam afetando nosso clima, nosso solo, nossos oceanos, nossos mares, nossos rios, nossas fontes hídricas naturais, nossos lençóis freáticos, nossa diversidade de fauna e flora, nossos alimentos, e, toda nossa vida, enquanto não formos capazes de admitir que nosso próprio senso de pertencimento à terra, enquanto solo, e à Terra, enquanto mãe, e nossa simbiose com ela e com toda a vida nela foi quase que anulado com a maciça investida que os tempos modernos lançaram contra nossos saberes ancestrais em troca de uma pseudo inclusão na era da conectividade.
Não apenas não incluímos, como excluímos, criamos bolsões que não se comunicam, mas que se retroalimentam no desequilíbrio causado à custa de uma bandeira de bem-estar e prosperidade pouca próspera para a grande maioria da população mundial ao longos dos tempos e, diga-se, nada próspera para todos nós em pouco tempo, caso não sejamos incentivados a perceber que desconectados com a terra e da terra não há campo possível de crescimento para semente alguma.
Temos que ser nós mesmos um solo fértil e sermos nossas próprias sementes para que a vida aconteça como ela dever ser: natural e cíclica.
Num mundo onde a fome impera, a ignorância é o prato cheio para que a busca pelo dinheiro se dê inclusive sob a rotulagem de mais segurança, mais saúde, mais bem-estar, melhores condições de vida, mais conforto etc.
Fomos e temos sido ensinados (quase doutrinados) de que as melhores condições de vida então nas cidades, que os melhores trabalhos são o que se dão no frescor das salas climatizadas, que os melhores alimentos são os mais práticos, já processados, já “prontos para consumo”, que nos chegam em invólucros descartáveis e assim nem precisamos nos dar ao trabalho de lavar a louça e os utensílios do preparo.
Ah, e na medida em que todos esses processados podem ser adquiridos por mais pessoas, por aí se mede como a população mundial se torna mais alimentada e como o padrão de consumo cresceu.
E ainda que muitos de nós estejam na miséria, ainda que muitos de nós não tenham acesso a água potável, ainda que muitos de nós não consigam fazer mais que uma refeição por dia ou nem isso, todos nós pagamos o preço pelos lixões que se criaram e se acumularam graças a um conceito de prosperidade e conforto que nunca considerou seja a inteireza da população nesse computo seja as condições de nosso próprio planeta.
Não se pode escolher um caminho que não se conhece.
Ainda que todas as embalagens plásticas fossem substituídas, ainda que todos as embalagens no mundo atual se convertessem em 100% recicláveis, ainda que chegássemos mais longe e todas as embalagens se convertessem em comportáveis, o que faríamos para enfrentar minimamente os seguintes questionamentos:
Por que nosso senso de prosperidade ainda permanece atrelado à comparação de quem tem mais?
Por que para ser próspero é preciso ser superior?
Por que para ser próspero ou respeitável é preciso tomar elevadores separados, é preciso salas VIPS, é preciso separação de classes?
Por que para ser próspero é preciso atrelar sucesso a um significado que obriga a maioria de nós ao insucesso eterno?
Quantos de nós aceitariam tomar o caminho do êxodo urbano?
Quantos de nós aceitariam descartar menos simplesmente porque alteramos nossos hábitos de compra, de escolha do que comemos, do que bebemos, do que vestimos e do meio que elegemos para produzir nossos alimentos, nossas casas etc?
Somos todos “infinitas possibilidades” e só poderemos exercê-las se chegar a todos nós essa verdade.
É preciso que chegue a todos nós que embora os rumos que levaram às alterações climáticas foram ditados por poucos, o caminho foi construído por todos e as consequências mais gravosas estão sendo sentidas e serão ainda mais fortes sobre todos aqueles que construíram passivamente esse caminho pela imoral exploração da ignorância e vulnerabilidade.
A contenção da catástrofe que se anunciou faz tempo precisa de um primeiro olhar para o coração do mundo, que está no campo.
Agricultores conscientes e valorizados são a chave para o começo de um novo pensamento sobre bem-estar e prosperidade.
A agricultura genuína pode ser altamente inclusiva, pode ser a melhor escolha para aquelas pessoas que desejam viver o campo por meio simplesmente da decisão de apoio a alimentos limpos no momento da compra.
É mais do que certo que todo ato de compra é uma ato de apoio.
Se nos tornamos conscientes de que práticas e ações realmente queremos apoiar, de nos tornamos responsáveis pelo nosso próprio processo de aprendizado sobre o significado de nossas práticas no mundo, podemos exercer a decisão de cuidar dele, não para o momento futuro ou para os que virão depois de nós, mas para nós mesmos em nossa experiências de estarmos vivos e eternizados no momento presente.
Tudo que eternizarmos hoje, numa mística profunda de aceitação de todos os aspectos positivos e negativos que permeiam nossa existência como um coletivo coabitando neste planeta, criará pontes que unirá nosso presente ao presente daqueles que saberão de nós e o que fomos pelo simples resultado das escolhamos que efetuamos.
Quando governantes e legisladores escolhem a pauta que irão apoiar, eles entregam para a comunidade o que são e quais preocupações ou interesses orientavam suas escolhas.
E isso é muito impactante.
Por isso o primeiro sinal de que mudanças comportamentais e de direcionamento político e econômico precisam ser feitas para permitir ações que possam realmente cuidar do nosso planeta e das mais de 8 bilhões de infinitas possibilidades que coabitam nele é o apoio e o fomento à agricultura natural por políticas públicas que não transfiram para o agricultor, isoladamente, a responsabilidade de impulsionar essas mudanças.
A proteção do solo (segundo maior depósito de carbono do planeta, o primeira está nos oceanos), a reconstituição da vida microbiológica do solo, o resgate da biodiversidade, o acesso a métodos e meios de produção mais eficazes e que não agridam ao meio ambiente etc., podem ser muito mais efetivos hoje para a criação de um conjunto de ações que tenderão a beneficiar muito mais a terra e seus habitantes do que simplesmente um rol de bonitos selos e belas novas formas de envasar ecologicamente o descarte que, nalguma proporção, não deveria ser descartado porque sequer precisaria ter sido comprado!!
Nada pode ser mais democrático que o campo, nada pode emprestar mais dignidade e senso de pertencimento do que o trabalho com a terra, nada pode nos conduzir a conceito praticável de igualdade tanto quanto o conhecimento das potencialidades da agricultura pode fazê-lo.
Enquanto agricultor o homem pode viver o processo de nascimento, vida e morte, numa reciclagem e ressignificação natural dos elementos, ou seja, viver a experiencia do mito profundo da criação onde todos somos o espírito da terra.
E uma terra sem espírito é uma terra devastada.
Temos um mundo para cuidar, temos mais de 8 bilhões de vidas que precisam ser cuidadas uma a uma para que todas elas sejam um cuidado para o planeta que nos dá muito mais do que somos capazes de compreender.
Temos um planeta altamente próspero, só precisamos mudar nosso conceito mesquinho do que prosperidade realmente é.
Tudo o que é preciso saber para mudar é conhecer, e uma vez que se conheça, perguntar:
qual é sua escolha?
quais são nossas escolhas?