“Nós somos guardiões de sementes”
Pelo próprio Mauri Joaquim com Kátia Bagnarelli, exclusivo para Editorial Onews
“Tudo começa numa semente boa.
Fui criado entre Embu Guaçu e Parelheiros, meus avós trabalhavam na roça. Não sou muito mais jovem, já estamos há 12 anos no movimento orgânico dentro de São Paulo.
Na verdade, éramos orgânicos com os avós e não sabíamos.
Comíamos tudo do quintal sem agrotóxicos.
Com a necessidade que chegou foi preciso que eu trabalhasse com outras pessoas e foi então que conheci a agricultura convencional à base de muito veneno.
Não sei como não morremos naquela época porque passávamos mangueiras e mais mangueiras de agrotóxicos sem proteção, enquanto o técnico que levava o veneno estava todo mascarado, protegido.
Não sabíamos nem qual era o risco que corríamos.
De 1997 para 1998 tivemos uma crise muito grande na agricultura, recebi um convite para trabalhar na cidade e fui.
Fiquei cinco anos na cidade.
No auge da carreira na empresa onde eu trabalhava, uma voz interior me falou para voltar pra roça.
Pensei que sofri tanto na roça, como poderia voltar? E a voz continuou, agora você vai voltar de uma maneira diferente, você conseguiu um dinheiro na cidade.
Pensei, pois bem, agora é meu momento!
Disse ao meu chefe na época que eu queria voltar para o campo.
Ele interrogou que como estava crescendo na empresa não compreendia por que eu queria voltar para a roça.
Expliquei que queria voltar a ser feliz, pois na roça comia bem e na cidade precisava levar marmita ou comer um alimento ruim sem gosto.
Na roça me lembrava de comer um pé de alface e comer na hora, cortar um repolho, uma couve, uma comida boa.
Vivia muito bem, só não tinha dinheiro e agora eu estava com dinheiro e decidido a voltar para o campo.
Quando cheguei no campo ainda não era nada do que eu pensei encontrar.
Conclui que tinha que plantar orgânico, pois não tinha mais dinheiro para comprar adubo e nem veneno, mas ninguém conhecia nada de orgânicos. Você perguntava para um ou para outro e diziam que aqui não tinha como plantar.
Um dia entrei na subprefeitura, onde os agrônomos trabalham, e tinha uma turma reunida, me apresentei e disse que queria plantar horta orgânica.
Eles até se assustaram pois naquele momento uma ONG chamada Cinco Elementos estava discutindo um projeto que iriam começar dentro de Parelheiros envolvendo a agricultura. Deixei meu telefone e eles me retornaram.
E eu comecei a viver de novo.
Foi ali que tudo começou, 2007.
De 2007 para 2008.
Conheci todos os produtores e ganhamos um grande grupo.
Zundi acabava de chegar do Japão para plantar banana. Todos estavam bem animados.
E eu comecei a viver de novo.
Montamos um grupo e formamos uma Cooperativa. Conheci o Zundi melhor, que se tornou um exemplo para gente, e seguimos sempre o exemplo das pessoas mais velhas, mas que tem experiência.
Escolhemos fazer crescer a produção orgânica e de alimentos saudáveis, proteger as nascentes, proteger as águas. Damos andamento nesse trabalho com muitas dificuldades ainda, mas o movimento orgânico vem aumentando e nós conseguimos provar que é possível produzir orgânico dentro de São Paulo.
Nós somos exemplos e queremos contribuir com outros, mas ainda nos falta apoio para ajudar a todos um pouco mais.
Naquela época montamos um time, mas não tínhamos onde vender. Ninguém acreditava na gente.
Tinha dias que eu chegava no sítio do Zundi e ele estava fazendo composto de banana porque não conseguia vender. Me doía o coração.
Eu, andando com minhas sacolinhas de verduras ali no grupo, tentando vender.
O que conseguimos vender dividimos o dinheiro um pouquinho para cada. Continuamos, até que um agrônomo da igreja messiânica se aproximou e disse que iria nos ajudar, conferindo toda a nossa mercadoria, o processo de plantio, nos levando esterco e nos ensinando o que nos faltava. Começamos a vender então para a cozinha da igreja messiânica, até que aprendemos sobre a certificação.
Foi com o auxílio da Estância Demétria de Botucatu que nós conseguimos.
Foi a Associação de Biodinâmica que certificou nosso grupo em 2011. A partir dali as portas se abriram para nós, Zundi foi o primeiro a vender no Parque da Água Branca em São Paulo. E só pudemos entrar lá porque tivemos apoio e certificamos.
Tínhamos feito uma visita por lá antes da certificação, e o pessoal dizia que para entrar lá demorava de quatro a cinco anos, ficamos muito tristes. Só queríamos um espaço de direito nosso para vender nosso alimento. Acredito que o agricultor que está na terra tem que ter o direito de levar seu produto até a cidade.
Nós é que fazemos as nossas mudas, estamos plantando a couve flor, brócolis, maxixe.
Tudo o que nós conseguimos produzir não precisamos comprar.
O nosso dinheiro de investimento é pouco e quanto mais pouparmos melhor.
Temos trocas de sementes entre produtores do grupo.
E elas, as mudas, vão produzir super bem porque elas gostam do lugar onde estão.
Quando você faz a sua própria muda você já sabe a procedência do seu substrato, sua semente.
Você tem que começar desde uma base de solo para que você tenha um ciclo fechado de garantia que tudo o que você faz é um processo o mais natural possível. É algo muito mais familiar e artesanal realmente. Além de economizarmos, o sabor é outro e as proteínas riquíssimas, com maior potencial.
Entre 70% e 80% são sementes nossas, o restante compramos.
E então crescemos e precisávamos de mais feiras.
Fomos então para uma feira no Burle Marx, na sequência inauguramos a feira do Ibirapuera, depois os shoppings com suas feiras internas como o Center Norte que nos apoia muito.
A BIODINÂMICA
A biodinâmica vem crescendo porque o respeito com a natureza é fundamental. Se você quer produzir orgânico primeiramente precisa respeitar a natureza e o solo.
A biodinâmica explica isso para nós.
Como fazemos as feiras de São Paulo temos que ter aqui uma certa variedade.
Temperos como salsa, coentro, cebolinha, nirá, hortelã, manjericão. Folhas como couve e alface, beterraba, espinafre, entre outros, respeitando sempre a época.
Entrando outono e inverno trocamos as culturas.
Quando chega o verão é a mesma coisa. Ainda estamos colhendo quiabo, berinjela, jiló.
o nosso berçário
as mudas são os nossos bebês
São os nossos bebês, o nosso berçário, todo cuidado é necessário para levá-las para o campo. É igual criança, elas estão tão preparadas que irão aguentar chuva e sol, as intempéries da vida, que é o normal.
Quando elas se formarem para nos alimentar, elas estarão bem.
Quando elas chegam na realidade delas que é o campo chega o momento delas se formarem.
O agrião por exemplo a partir de 20 dias da muda que esteve na estufa, ao chegar no campo, já será um adulto para que nós possamos comercializá-lo.
Nós respeitamos o tempo de crescimento delas mas temos que ter uma sequência. Os clientes compram semanalmente de nós, seja na feira ou no restaurante, precisamos produzir semanalmente. Essa é a sequência de muda, até a colheita.
O mais difícil é explicar isso para os consumidores. Cada vez mais eles sabem que o tempo é quem manda e não a gente. Como se diz, tem o tempo de Deus e tem o tempo das plantas. Não é o que eu quero e sim como elas vão reagir.
Não posso forçar o crescimento delas, tenho que deixá-las se formarem naturalmente.
É aí que elas vão ter o sabor e as proteínas que nosso organismo precisa.
Nós às vezes não conhecemos a riqueza que tem o alimento natural.
A planta produz e segue se reproduzindo sempre, de graça, no retribuir o cuidado que temos com ela também.
o exemplo
Eu quando pequeno era muito ruim para comer verduras e digo que hoje sou um coelho.
As crianças quando vem até aqui se fantasiam com o lugar, ficam encantadas ao ver como um filhotinho de couve se torna adulta, a beterraba, a cenoura no chão. Para incentivar a criança a comer é importante levá-las ao campo para que vejam por si mesmas como se forma uma horta.
A criança adora mexer com a terra. Os pais precisam incentivar. Basta colocar a mão na terra para perceber que a energia te toca e você entende que precisa comer esse alimento para ser feliz.
a certificação
A certificação é fundamental para o consumidor e é uma garantia realmente de que somos certificados por órgãos públicos, agrônomos, Cooperativas, Ministério Público e MAPA onde temos registro.
Nossa certificação é a SPG (Sistemas Participativos de Garantia), é um tipo de certificação participativa onde os produtores devem estar organizados em grupos, e eles mesmos devem ser responsáveis pela avaliação da conformidade orgânica do seu grupo.
Para isso o SPG deve estar credenciado no MAPA.
Nosso grupo está presente no Brasil todo, praticamente.
Procuramos trabalhar em família e ajudamos muitas outras pessoas.
Nós não escondemos nada, aqui tudo é aberto, ensinamos a quem quiser aprender. Estamos sempre aprendendo, mas temos muito conhecimento e estamos dispostos a transferir.
Precisamos ter respeito com o tempo e a natureza. O que destrói muitos planos naturais essenciais
é a ganância humana.
AS PANCS
Plantas alimentícias não convencionais
A proteína que tem um alimento super potencializado e espontâneo, substitui a carne animal. Você consegue se nutrir só de vegetais, legumes, frutas e grãos, mas faltam informações para a população.
O pó de café usado é algo super interessante pra gente. Recebemos esse material como resíduo da indústria e eu pergunto, o que fariam com isso se nós não usássemos aqui?
Imagine a quantidade de resíduo do pó de café jogado em algum canto ou no rio.
Nós temos uma parceria com a empresa que nos fornece esse resíduo e nós fornecemos cestas de alimentos para eles.
Se todas as empresas tivessem essa consciência, do que é cuidar do seu próprio lixo e ainda retribuir para a terra que te entrega comida de volta… Olha o passo que o mundo estaria dando apenas com o lixo.
Empresas sérias pensam nisso, não somente em ganhar o dinheiro.
Precisamos ter respeito com o tempo e a natureza. O que destrói muitos planos naturais essenciais é a ganância humana.
Não existe uma boa agricultura sem a harmonia.
Plantar numa terra em que haja briga com a natureza não gera frutos.
Outra coisa importante é que para se produzir orgânicos, a base de tudo é o solo, o tempo, e a água. O nosso grupo teve como primeira preocupação preservar a represa Billings e a Guarapiranga que já se encontravam num grau de poluição e falta de água muito severos.
Nosso grupo protege ambas.
Cuidamos de toda água que vai para a cidade de São Paulo.
Temos regras como limite no campo.
O fato de não utilizarmos química no campo é o grande benefício, não desmatamos nada, pelo contrário, nós reflorestamos.
Creio que, se a população pedir, nosso grupo de orgânicos irá crescer.
É um orgulho, nosso grande prêmio é a gratidão do consumidor. Eu até me emociono porque de tudo o que nos falaram lá atrás, foi uma luta até aqui, tendo sempre que provar o que estamos falando e fazendo. Vale a pena.
Sou um pé de barro…
E tenho muito orgulho. A partir do momento que você se alimenta das coisas certas e protege tudo o que está ao seu redor, esse cuidado com quem vai comer, respeitando tudo, cuidando da terra e mantendo o cuidado com as pessoas que querem se alimentar de orgânicos, cada segundo é gratificante.
Muita fé em Deus primeiramente pois precisamos de luz em nosso coração sempre, acreditar em nossos esforços, nas pessoas que estão próximas a nós, que ainda há jeito de mudar muita coisa para o bem, no alimento e na vida, sendo mais úteis para o mundo.”
“O ser humano precisa se respeitar. O respeito e a amizade que vemos aqui são maravilhosos. A união e a força que não nos deixa desistir jamais. Esse respeito nos fortalece para seguirmos.
Eles, os agricultores, se sentem médicos porque a população vem buscar os alimentos para se curar. Eles são doutores. E a população vai se curando e combatendo o necessário só com a alimentação.
Vocês precisam saber que vocês são as pessoas que não deixam a gente desistir, é por causa de vocês que a gente continua.”
Elisângela, esposa de Mauri
” A minha alegria é acordar de manhã e vir para a horta. Eu amo a horta. é daqui que eu tiro meu sustento, moro pertinho, não preciso pegar ônibus nem ir para a cidade que é muito ruim. Venho trabalhar a pé e às vezes de bicicleta, a minha alegria é estar na horta.
Amo de verdade.
Comecei com Mauri a plantar orgânico, não conhecia antes, a diferença é muito grande. Quem tem filhos precisa incentivá-los a comer verduras orgânicas.
Nós comemos mal tempos atrás e agora nós temos que nos cuidar limpando nosso organismo e cuidando da alimentação dos filhos porque eles são o futuro do Brasil.
O que mais gosto é de mexer na terra, aquele amanhecer maravilhoso.
Aquele sol lindo, pego a semente, faço a muda, planto, cuido, um dia jogo adubo, molho, faço a capina, é muito satisfatório.
Temos que tentar viver melhor com fé que tudo dará certo.
Pensamos no bem da gente e dos outros, o alimento é o melhor futuro.”
Lila, agricultora orgânica ao lado de Mauri
Zundi Murakami
” Para falar a verdade vim para o campo por necessidade.
Eu fui criado na agricultura convencional desde pequeno com meu pai, e no começo plantamos batata inglesa. Era igual loteria, se acertar fica rico, se não acertar falta tudo.
Tive vários problemas e fiquei endividado plantando batata. Fui obrigado a ir para o Japão trabalhar como peão e consegui lá algum dinheiro pela moeda ser forte, comparando com o nosso real.
Com isso consegui regularizar minha situação e fui incentivado a produzir orgânicos graças aos amigos.
Plantar biodinâmico não é fácil, é preciso gostar do que se faz. Insistente e dedicado para conseguir. Meu forte é banana. Antigamente, há uns trinta anos todo ano geava, essa região não era própria para banana.
Os veteranos me chamavam de louco, mas de alguns anos para cá não temos geadas por causa do aquecimento global. E por isso o louco, não era tão louco assim.
Parelheiros tem um clima mais frio do que o litoral, aqui a colheita é mais demorada, entretanto ela fica mais doce.
Quero agradecer meu pai e minha família por terem vindo para o Brasil, terem escolhido o país certo.
Temos que ser orgulhosos de sermos brasileiros, não há um país melhor do que aqui, com liberdade e com oportunidade de crescimento.
O Brasil é muito grande e tem muito lugar para produzir como um cidadão útil para a sociedade.
É o que digo aos jovens, que tenham vontade e parem de lamentar, vão para o campo dignamente plantar orgânicos.
Vão contribuir para a Nação.”