A rainha Carnaúba orgânica brasileira, do alimento ao remédio que você consome. Sua riqueza em nosso cotidiano.
por Kátia Bagnarelli em 17 de setembro de 2020, Brasil.
Conhecida como árvore da vida por oferecer ao homem infinitas utilidades, a carnaubeira é uma palmeira brasileira que habita as margens de rios da região Nordeste. Ela produz uma cera de alto valor econômico e social.
Sua presença na paisagem é marcante, com referências a ela em relatos de viajantes, cronistas, botânicos, químicos e romancistas ao longo do tempo. A carnaubeira também surge em obras literárias de autores como Mário de Andrade, Guimarães Rosa, José de Alencar e Euclides da Cunha.
De acordo com o Sindcarnaúba, no Brasil a indústria da cera de carnaúba obteve um total de US$ 29,9 milhões em exportações no período de janeiro a abril de 2019 – um crescimento de 56,8% em relação ao mesmo período do ano anterior. Entre os estados brasileiros, o Ceará tem o maior montante e corresponde a 70% do volume total exportado pelo país. O produto ocupa o 8º lugar na pauta de exportação cearense, com 95% da cera produzida exportada para o exterior, sendo 30% para os Estados Unidos. A bandeira do Ceará traz a árvore em seu brasão, desde o início da República. A indústria da carnaúba gera 96.300 empregos diretos no país, especialmente no Ceará e no Piauí, principais estados produtores.
O ciclo de extração é o grande diferencial para a agricultura familiar, pois, no período chuvoso, a carnaúba recupera a copa e, na estiagem, cria a cera para reter água, num processo de adaptação ao clima semiárido.
O jornal Onews foi ao encontro da história e da representatividade da mais importante indústria de cera de carnaúba orgânica do Brasil.
A história da Pontes com a carnaúba começou no século XIX, quando a família “Pontes” produzia cera de carnaúba bruta. Em 1956, a empresa Pontes Indústria foi inaugurada em Fortaleza para beneficiar e exportar a cera de carnaúba. Atualmente o grupo conta com 3 plantas produtivas em regiões estratégicas para a produção da cera: Fortaleza, Caucaia e Parnaíba. A planta produtiva na cidade de Caucaia produz exclusivamente cera de carnaúba orgânica. Conversamos com Lais Pontes, diretora de marketing e comunicação da Indústria.
Onews: Quais são as etapas que envolvem a produção da cera na cadeia produtiva orgânica?
Lais Pontes: A cera é extraída do pó cerífero presente nas folhas da carnaúba, uma palmeira nativa do Nordeste brasileiro. Esta palmeira localiza-se tanto no litoral quanto no interior e suporta alagamentos prolongados, resistindo ao alto teor de salinidade. O extrativismo do pó cerífero da carnaúba é realizado anualmente, por safra. Após a carnaubeira ter as folhas cortadas, só é possível um novo corte (extração) quando a planta produz novas folhas, na safra do ano seguinte. O processo de extrativismo da carnaúba pode ser resumido nas seguintes etapas:
Corte da palha
O corte é feito por um vareiro, que com a ajuda de uma vara comprida comum e a foice bem amolada presa na ponta, corta o talo da folha. As palhas adultas (abertas) são separadas das mais novas (fechadas).
Recolhimento e transporte das palhas
Após o corte, as palhas são recolhidas pelo junteiro/aparador. Ele apanha as palhas, corta o talo da folha e separa as palhas formando feixes que serão transportados para uma área aberta onde as palhas serão secas. Os talos das folhas podem ser separados para uso no artesanato e/ou compostagem, assim como também podem ser deixados na área como cobertura natural do solo.
Secagem da palha
Após a colheita e transporte das palhas é realizada a etapa de secagem. Essa etapa pode ser feita através das seguintes técnicas: chão batido, estaleiro e secador solar. A secagem pode demorar de 2 a 10 dias, dependendo da técnica de secagem utilizada.
Obtenção do pó
O pó cerífero pode ser obtido pelo processo manual, chamado de batedura manual, ou pela máquina de bater palha de carnaúba.
Produção da cera
A cera bruta pode ser obtida através do cozimento com água, realizado em fábricas artesanais de pequenas propriedades rurais. Essa cera ainda é encaminhada à indústria para ser refinada. Porém, o processo mais comum é dos produtores entregarem o pó da carnaúba nas indústrias, para que elas realizem a extração e refino da cera existente no pó. Das indústrias, o único resíduo produzido é chamado de bagana, que é utilizado na produção de adubo e na fabricação de briquetes (bloco sólido, conhecido também como lenha ecológica, sendo capaz de substituir com eficiência o gás, a energia elétrica, o carvão vegetal, o carvão mineral, a lenha e outros tipos de combustíveis).
A atividade da cera de carnaúba, do extrativismo à indústria, é considerada um modelo de economia circular. A economia circular é um conceito baseado na inteligência da natureza. No meio ambiente, restos de frutas consumidas por animais se decompõem e viram adubo para plantas. Esse conceito também é chamado de “cradle to cradle” (do berço ao berço), onde não existe a ideia de resíduo, e tudo serve continuamente de nutriente para um novo ciclo, como acontece com a atividade da carnaúba. Assim, ela garante o uso contínuo dos recursos naturais, preserva a biodiversidade local, não gera desperdícios e é fonte de renda à milhares de famílias.
Onews: Qual é a presença internacional da Pontes com a cera de carnaúba?
A Pontes produz e exporta cera de carnaúba desde 1956, tendo presença marcada nas Américas, Europa, Ásia, África e Oceania. 90-95% da produção é para exportação.
Onews: Quais são as aplicações da cera de carnaúba em nosso dia a dia?
Embalagens de Alimentos, Cera para polimento de pisos, Cera para Polimento de Móveis, Cera para Polimento de Couro, Cera para Polimento de Automóveis, Vernizes, Doces, Chocolates, Filme Plástico, Polimento de frutas, Fósforos, Revestimento de Latas, Cremes de barbear, Cremes de cabelo, Cremes de pele, Lubrificantes, Revestimentos Têxteis, Cera Dentária, Flores e Frutas artificiais, Vegetais Desidratados, Toner, Papel Carbono, Tintas para impressoras, Uso elétrico, Pilhas, Fita de transferência térmica, Filmes Fotográficos, Cosméticos, Lápis de Cera, Tintas, Lápis Gráficos e Cápsulas de remédios, entre outros.
Onews: No que consiste a parceria “Carnaúba Sustentável” e o que ela representa para a comunidade?
A Pontes Indústria firmou parceria com a Associação Caatinga, ONG local dedicada à proteção da carnaúba, e com o Sindcarnaúba. Essa parceria, chamada Carnaúba Sustentável, possibilita a produção de cisternas de placas para armazenamento de água, fogões eco eficientes para o melhor aproveitamento da lenha e redução de danos do uso do fogão, e sistema bioágua que possibilita o reuso das águas cinza, provindas da pia da cozinha, lavanderia e chuveiro, na irrigação das plantas na produção de alimentos.
O projeto também trabalha no eixo da educação ambiental e abrange o contexto da cadeia produtiva da carnaúba promovendo uma série de debates propositivos com os diversos setores interessados, com a finalidade de traçar ações prioritárias para a qualificação sustentável da produção do Estado do Ceará.
Onews: A Pontes e a Universidade Federal do Ceará estão juntas pela Carnaúba, no que consiste essa parceria?
O centro de pesquisa da Pontes foi consolidado devido a uma parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC), mediada por um docente, o doutor Lamartine Oliveira, com o planejamento, implantação e manejo do viveiro de mudas florestais de espécies nativas da Caatinga. E essa parceria visa mobilizar as capacidades institucionais e individuais de nossa equipe, parceiros e estudantes, incentivando a inovação e fortalecendo a pesquisa científica. Nesse sentido, estabelecemos estratégias de gestão da conservação ambiental, como pesquisa para combater espécies invasoras, produção de mudas, construção de um banco de sementes e ações de educação ambiental, promovendo o acesso de todas as pessoas. Também assinamos um acordo com a UFC Internship Agency, criando oportunidades para que os estudantes agreguem valores aos seus cursos de graduação e os ajudem na sua capacitação. Juntamente com esta eminente instituição, asseguramos que o conhecimento produzido chegue aos atores da cadeia produtiva da Carnaúba e às comunidades rurais, contribuindo para tornar suas ações mais sustentáveis ambiental, social e economicamente.
Onews: O que é o “projeto” Pré Safra? E a Campanha “Pontes para o crescimento“?
Através do instituto “Pontes Para o Crescimento”, a indústria assume iniciativas projetadas para o empoderamento das pessoas que trabalham nos campos de extração do pó e cera de carnaúba, incentivando as melhores práticas de trabalho, saúde e segurança, direitos e deveres, rastreabilidade, e preservação da caatinga. Os treinamentos oferecem oportunidades educacionais, como também profissionais.
Estas atividades acontecem antes da safra com o intuito de preparar os produtores e trabalhadores rurais para a safra que ocorre geralmente entre os meses de agosto e dezembro.
Alguns dos benefícios constatados após os treinamentos são colaboradores mais conscientes com relação ao uso de EPIs, o surgimento de novos produtores após atividades provando o potencial do treinamento como ferramenta para desenvolvimento econômico, participantes treinados pelos programas do ano anterior replicaram o conhecimento adquirido motivando o interesse de novos colaboradores rurais, produtores locais mais bem informados e ativos na tomada de decisões, melhoria da receita e qualidade de vida dos trabalhadores do campo, maior transparência na cadeia de suprimento, trabalhadores mais conscientes com relação a seus direitos e funções e maior conscientização sobre a importância da preservação da Carnaúba e seu ambiente social. Também, através da Pontes para o Crescimento – PPCO, a indústria demonstra o seu comprometimento com os princípios éticos do bio comércio, assim como seu respeito pelas pessoas, pela biodiversidade e pelo bioma Caatinga, tudo isso através da execução de uma ampla gama de atividades interativas.
Atualmente, o PPCO realiza treinamentos profissionalizantes para trabalhadores do extrativismo da carnaúba, educação ambiente, pesquisa cientifica, compostagem orgânica e cultivo de sementes e mudas exclusivas do bioma da Caatinga. As sementes e mudas são doadas para o reflorestamento de áreas degradadas e também utilizadas nas atividades de educação ambiental. Outras 7 oficinas geradoras de renda para as comunidades locais estão em fase de conclusão, aguardando a liberação do governo para implementação.
A equipe para esta iniciativa conta com 19 profissionais:
Engenheiro da Saúde e Segurança, Engenheiro Mecânico, Engenheiro Ambiental, Engenheiros Agrônomos, Engenheiro de Alimentos, Advogado Trabalhista, Gerentes de Controle de Qualidade, Equipe de Responsabilidade Social e Profissional de Primeiros Socorros.
Para esta safra de 2020, preparamos cuidadosamente um programa online para orientar especialmente os produtores e trabalhadores rurais do extrativismo da Carnaúba. Produzimos vídeos educativos e disponibilizamos os nossos manuais para download com o intuito de compartilhar informações com todos. São eles, vídeo Coronavírus de Medidas de Prevenção no Extrativismo da Carnaúba, vídeo de Boas Práticas para a Máquina de Bater Palha de Carnaúba, Sétima edição da cartilha de Boas Práticas para o extrativismo do pó cerífero e da cera de carnaúba e Segunda Edição da Máquinas de Bater Palha de Carnaúba. Também disponibilizamos uma linha de WhatsApp para tirar dúvidas dos trabalhadores e produtores rurais, como também para compartilhar mais informações referentes a safra. A indústria trabalha em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) desde 2016, para combater qualquer forma de trabalho escravo. A campanha de 2020 é uma extensão desse trabalho, que visa ao empoderamento dos trabalhadores, conscientizando-os sobre a sua importância social e promovendo o reconhecimento de que esta é a única maneira de promover uma mudança real.
Onews: Qual é o maior desafio enfrentado atualmente pelo agricultor na cadeia de produção?
Os custos de certificação orgânica que são um investimento muito alto principalmente para o agricultor.
Onews: Como se dá a certificação da cera orgânica?
Certificamos as fazendas e o processo industrial.
Onews: O que significa ser uma indústria vegana no Brasil e no mundo?
Significa promover o desenvolvimento e uso de alternativas livres de origem animal para benefício de humanos, animais e meio ambiente com o intuito de tornar o mundo um lugar melhor.
Onews: A indústria atua na formação educacional da comunidade? Quais são os projetos atuais envolvendo as crianças e adolescentes?
“Minha Carnaúba” é um projeto fotográfico que convida jovens em localidades remotas de nossas vastas regiões produtoras de Carnaúba, a pensar o relacionamento entre eles, suas famílias e a “Árvore da Vida” que desempenha um papel central para toda a comunidade. O projeto promove educação de qualidade para as crianças nas áreas rurais. Em nossos cursos abordamos temas como biodiversidade, estilo de vida sustentável e igualdade de gênero, além de apoiar a arte e a cultura local. Também temos um programa voltado exclusivamente para “Educação Ambiental” conectando as escolas públicas rurais do Nordeste do Brasil com a nossa Caatinga. Ele cria consciência das questões que impactam este bioma do qual todos nós nos beneficiamos, assim como toma ações para melhorar e preservar isso. Partilhamos conhecimentos essenciais, permitindo que as crianças e adolescentes desenvolvam atitudes que geram responsabilidade para uma vida sustentável. O nosso programa oferece as competências necessárias para sermos criativos na resolução de problemas e nos tornarmos bons cidadãos ambientais.
Onews: Qual é o papel das escolas e universidades frente a educação da nossa população para a transição do consumo de convencionais para os orgânicos?
As escolas, independe do seu nível, tem como pilar a promoção, socialização e democratização do saber. Saber esse que é transformador e torna a população mais consciente e crítica. Esses fatores têm aumentado os questionamentos sobre o consumo de alimentos produzidos em sistema de cultivo convencional ou de larga escala, e quando comparado ao sistema orgânico, qualquer que seja a análise crítica, por mais simplória que seja, conduz a escolher os produtos orgânicos. São várias as questões que influenciam essa escolha como primeiro passo do processo de transição, por exemplo, sustentabilidade do processo de produção, conservação de recursos naturais e valorização da vida.
Onews: Quais foram os prêmios concedidos a Indústria até aqui?
O programa de empoderamento dos trabalhadores rurais desenvolvido pelo Instituto Pontes para o Crescimento recebeu a certificação Benchmarking 2019 de “As Melhores Práticas Sociais e Ambientais do Brasil”. Pontes para o Crescimento está alinhado com 13 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS da Agenda 2030 da ONU.
Esta premiação refere-se ao ODS 8: Trabalho Decente e Crescimento Econômico.
A Indústria Pontes e o reflorestamento
As florestas saudáveis contribuem para a sociedade e para o planeta, fornecendo serviços ecossistêmicos, fortalecendo a subsistência, fornecendo água e ar limpos, ajudando a conservar a biodiversidade e respondendo contra as mudanças climáticas. Além disso, grande parte da biodiversidade terrestre do mundo é encontrada nas florestas. Por esse motivo, as florestas devem ser protegidas com planejamento racional, o que permite sua regeneração natural, ao mesmo tempo em que a complementa através do plantio de árvores.
A reflorestação é uma tarefa complexa que envolve vários sistemas sociais, sendo assim possível criar as condições para que a terra continue a sustentar a vida humana.
Nós construímos um banco de sementes com mais de 30 espécies nativas do bioma Caatinga. Ele ajuda na conservação da biodiversidade genética, fornecendo sementes para a produção de mudas. Nossas sementes são coletadas de várias matrizes de espécies ameaçadas de extinção e também de espécies atraentes para a fauna, selecionadas de diferentes partes da Caatinga. As nossas mudas são produzidas sob rigorosos procedimentos orgânicos e eco florestais. São produzidas respeitando as interações ecológicas, evitando materiais plásticos e utilizando racionalmente a água. No ano passado coletamos 227.430 sementes e produzimos 3.425 mudas. Uma de nossas iniciativas específicas tem sido a distribuição de sementes e mudas para o reflorestamento de áreas degradadas assim como também, para atividades de educação ambiental. Além de doar as sementes e mudas, trocamos conhecimentos, passamos informações sobre a importância das florestas e os cuidados necessários. Desta forma atingimos um maior número de pessoas e localidades.
Portanto, formas de restaurar as condições ambientais com iniciativas específicas para o entorno são a fórmula de sucesso que assegura a cura acelerada das florestas.
Onews: A indústria é gerida de forma familiar principalmente por mulheres, certo? Como é o dia a dia de vocês e quais são os melhores e os mais difíceis momentos?
Nos dividimos em áreas de atuação distintas, porém todas participam das tomadas de decisões mais importantes para o funcionamento saudável da empresa. Estas tomadas de decisões ocorrem de forma tranquila, pois temos ideias que seguem uma mesma linha, e além disso são complementares. Isso facilita na agilidade e implantações dos projetos.
Onews: Lais, você como fotógrafa provavelmente presenciou momentos únicos em seu dia a dia com a câmera em mãos. Qual foi o melhor e mais significativo olhar até hoje através da fotografia no contexto da produção sustentável?
Não teve um único momento, porém vários. Registrar a evolução da nossa produção sustentável voltada para a economia circular, do nosso viveiro de mudas exclusivas da caatinga, das pesquisas científicas realizadas na nossa fazenda em parceria com a UFC e da relação de parceira com a comunidade local, todos em prol de hábitos mais sustentáveis, é encantador e motivador. Acho que não tem um dia sequer que pelo menos um registro fotográfico não seja feito. Através da fotografia venho descobrindo que restaurar significa recuperar a beleza original.
“Chamo atenção para esse tesouro que é a carnaúba
e a biodiversidade da caatinga.
A cera de carnaúba além de ser a rainha das ceras vegetais é um produto exclusivo do nordeste brasileiro.
O processo é totalmente sustentável, um exemplo de economia circular.
Esta palmeira representa a própria vida.
É forte, resistente, sobrevive a muitas situações difíceis.
Ela é generosa, pois pede pouco e nos oferece muito.
A carnaúba é um exemplo de como todos devem levar suas vidas. “
Lara Pontes, presidente da Pontes Indústria
Lara Pontes, presidente da Pontes Indústria
Crédito da imagem: Arquivo Pontes Indústria
