O mito do nascimento e morte são os mitos mais poderosos em nossas vidas.

Eles regem nossa existência individual e coletiva.

O enfrentamento de nosso começo e de nossa finitude nos impulsiona certo modo para um caminho de autoconhecimento, quando nos deixamos guiar pelos símbolos que vão marcando nossas estações na jornada de nossa vida.

 

O nascimento simboliza a vida em seu potencial seminal, quando embora dotados de um corpo, somos uma semente que germinará em nosso próprio solo, em nosso próprio território.

 

Cada ser é como uma porção de terra, uma gleba, que se unirá a tantas outras até se formar um continente (aqui no sentido de uma comunhão de solos ou microterritórios para a formação de um território macro).

Como continentes, vivemos o mito, como parcelas individuais do solo, realizamos o mito em nós.

 

Além de nosso corpo biológico, somos dotados de um corpo afetivo e energético. Quando esses dois corpos se fundem numa relação harmônica, despertamos nosso corpo espiritual.

E é nessa dimensão que o mito acontece, é nessa dimensão que o mito age e é dessa dimensão mais ampla e consciente de nós que podemos ressignificar as sucessivas transformações que o mito sofre ao longo de nosso percurso como alma individualizada e ao mesmo tempo coletivizada quando desperta para a dimensão espiritual, que em última análise é nosso contato com a fonte primordial. E essa fonte está dentro, não fora.

 

Santa Teresa D’Ávila, em “Castelo Interior, ou moradas”, descreve sete moradas da alma, e desde a primeira até a sétima, a alma passa por provas e desafios, devendo desenvolver os trabalhos necessários para conectar um a um os caminhos de cada uma das moradas. Desde a primeira morada, onde ainda estamos carregados de nosso Self, até a última e sétima morada, onde nosso Eu é uno com o Criador, a jornada da alma passa do nascimento no mundo para o nascimento para Deus e com Deus, desenvolvendo com Ele uma relação intelectual, posto que Deus se manifesta à sua compreensão, e silenciosa, onde o contato com Deus se dá sem o diálogo externo, mas a partir da leitura dos símbolos que surgem com o conhecimento da presença de Deus no centro da alma, em unidade indivisível. Nas palavras de São Paulo, aquele “que se eleva e se une a Deus, faz-se um só espírito com ele”.

 

A sétima morada pode ser comparada com o sétimo chakra ou chakra coronário. Quando conseguimos conectar todos os nossos sete chakras, nossas sete moradas energéticas, conseguimos ligar terra e céu em nós, refazendo o mito da criação, do nascer e morrer. Enquanto o primeiro nascimento nos conecta ao mundo material, por isso percorremos o caminho de entrega para a gravidade, para a terra, o segundo nascimento nos leva para o alto, quando nascemos para e pelo espírito. A conexão da alma consigo mesma, com sua fonte mantenedora, acontece quando ela acessa a sua morada no sétimo chackra e nesse espaço a alma consegue ver e perceber a si como integrante do Todo. Nesse momento o mito da morte acontece: A alma morre para as coisas da terra para nascer para as coisas do céu. Mas não se trata de uma morte definitiva, mas uma ruptura ou uma libertação da amarras materiais e egóicas ainda dominantes em diferentes graus nas moradas anteriores, quando a alma ainda apenas se regia ou se deixava reger pela qualidade das vibrações dessas casas.

 

O atingimento da sétima morada,  a abertura do sétimo chackra, significa iluminação, significa a realização da mente de Buda, significa a sabedoria Crística nascida em nós.

 

Cristo representa para a cristandade não apenas o salvador (aliás, significado literal de Yeshua, em hebraico), mas a iluminação. A iluminação para as coisas do alto num mundo de matéria, a mesma matéria da qual todos somos feitos.  O nascimento virginal, em outras palavras, o nascimento através do espírito, é o nascimento de nossa parcela divina, a mesma parcela que carrega os anseios de uma descoberta de salvação, de encontrar o Santa Graal, o Lapis Exilis, a pedra filosofal.

 

Assim como Buda, que diz-se ter nascido do flanco de sua mãe, ou seja, do coração de sua mãe, o nascimento de todas as qualidades do espírito — dentre elas a principal é a compaixão — só pode acontecer quando habitamos o quarto chakra, que é o chakra cardíaco. A partir dele as energias do primeiro chacka – que é o centro energético que nos enraíza na terra, onde expressamos nosso eu, nosso self, nossa individualidade, nossa força para viver num campo gravitacional que é nosso grande útero em última instância e que chamamos de Terra – e do sétimo chakra se encontram e se manifestam em equilíbrio suficiente para que o nascimento do Ser iluminado se faça. Essa iluminação só pode acontecer pelo coração, a partir do coração nos importamos, a partir do coração cuidamos, a partir do coração desenvolvemos afeto para além da satisfação dos desejos mundanos e efêmeros, e também a partir do coração sabemos reconhecer o quanto este mundo é maravilhoso e o quanto ele pode distribuir amor a todos nós.

 

O sentido do nascimento virginal do Cristo ultrapassa em muito a virgindade física, mas se realiza como um mito orientador de nossa própria jornada espiritual quando compreendemos seu sentido atrelado a sua significação espiritual. Joseph Campbell, em  “O Poder do Mito”, diz que “a referência simbólica não é ao nascimento físico de Jesus, mas à sua significação espiritual. Eis aí o que o nascimento virginal representa. Heróis e semideuses nascem como seres motivados pela compaixão e não pela vontade de domínio, de sexualidade e de auto-preservação. Este é o sentido do segundo nascimento, quando você começa a viver a partir do centro do coração.”

 

Na lenda medieval de Parsifal, vemos o processo de iluminação de Buda se manifestando na pessoa de um cavaleiro que ansiava por encontrar sua lenda pessoal, por viver o cavaleiro que ele tanto admirava. Após se reconciliar com Deus dentro de si, Parsifal, já no final de sua jornada, quando já havia bebido do Elixir Sagrado, o Santo Graal, e já dentro do Castelo e diante do Rei que estava doente, Parfisal volta-se para o Rei e lhe pergunta “o que é que lhe faz sofrer?”e o Rei imediatamente fica curado. Nesse ponto Parsifal, que também pode ser compreendido como o caminho do meio, lança um olhar compassivo, uma atenção afetuosa para o Rei e lhe revela: eu me importo com você, eu lhe vejo, eu lhe ofereço minha contribuição para sua cura, para aliviar sua dor. E aqui, mesmo um menor na escala de hierarquia de um estrutura terrena, pode se fazer grande para se tornar igual ao maior dos maiores, representado pelo Rei, e dividir com esse o caminho da iluminação pela compaixão.

 

Parsifal reviveu o mito do Cristo Cósmico, o Cristo que deve nascer pelo espírito dentro da matéria, o Cristo de braços abertos na cruz para expor todo o potencial do chackra cardíaco, todo o poder transformador que habita no coração, o polo onde os nossos Eus se encontram para habitar o Tu e assim realizar a presença divina na Terra. O mesmo Cristo cujo nascimento comemoramos e celebramos na noite de 24 de Dezembro, o mesmo Cristo com os braços abertos na manjedoura, expondo para nós seu coração e aguardando que os nossos braços se abram para expor nosso coração a Ele e assim o tomarmos em nossos braços.

 

Quem levará o Cristo menino para dentro de si nesta noite, quem o fará dormir cantando para Ele um canção de ninar, quem perguntará a Ele “o que lhe faz chorar minha criança” e assim acalentá-lo até que o Cristo menino sorria seu sorriso que é todo o esplendor do Sol. Não à toa Cristo vem ao mundo em pleno Solstício, no momento em que o Sol se afasta da Terra no hemisfério Norte e se aproxima da Terra, no hemisfério Sul, numa mensagem de que a natureza divina sempre está presente e seu movimento é de tal forma cíclico que conduz a própria ciclicidade da vida no grande mistério da vida e da morte.

 

Daqui desta Terra, podemos nos tornar todos pontos de Luz neste Natal e iluminarmos o mundo simplesmente abrindo nossos braços e expondo nosso coração uns aos outros e vivendo os nossos desejos a partir de nosso centro, que está em nosso coração, o ponto energético onde todas as nossas sete casas se manifestam para nos fazer capazes de nascer pela Palavra, para nos tornarmos todos o verbo em ação positiva no mundo.

 

 

Conceição Giori

CEO da Fazenda Giori

Advogada criminalista

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