Lilico e Denize a frente da produção

Era tudo orgânico

PARMESÃO, TAPIOCA, NOZINHO, IOGURTE, DOCE DE LEITE, QUEIJO MINAS E A SELETA PRODUÇÃO DE LATICÍNIOS

Uma homenagem ao Rancho Biju, um Conto de Natal.

por Kátia Bagnarelli

 

Era uma vez …
Meados de 2005, eu estava na gestão e comunicação do Esporte Nacional no Brasil quando conheci o Frederico, importante executivo brasileiro, atuante politicamente e com algumas carreiras brilhantes pela estrada.
O chamávamos de Lilico e quem me apresentou foi Nanah, amiga de longa data.

A ocasião não nos remetia a alimentação saudável e muito menos discutimos sobre orgânicos ou biodinâmicos. Naquele momento o assunto era apenas futebol e televisão. Como a maior parte de meus amigos jornalistas,  eu não me dedicava muito bem à qualidade do que ingeria, não tinha conhecimento do quão prejudicial era minha rotina alimentar para o corpo físico e para a mente. Nos mantivemos, todos, amigos e construtores em outros setores do Brasil.

Passados, ao menos, dezoito anos voltamos a nos encontrar.
E desta vez, em nossa mesa estava também Denize, esposa de Lilico.
Fui em busca de conselhos para este jornal que estava em seu caminho inicial. Já era uma assídua consumidora de orgânicos e havia chegado a hora de direcionar minha entrega profissional à sustentabilidade ampliando assim as conquistas e a disponibilidade de conhecimento nacionalmente.

Naquela tarde em quatro horas de conversa descobri que o casal Frederico e Denize também era, há anos, produtor de orgânicos.

O Rancho Biju, de propriedade da família, está localizado na Serra da Mantiqueira e a história a seguir é uma das provas de amor pela terra e pelo alimento que ela produz, das mais bonitas que já conheci.

Com vocês, e comigo aqui, a seguir, a trajetória da produção do primeiro queijo parmesão orgânico do Brasil, da melhor tapioca orgânica da nossa região e da ricota mais cremosa da América Latina.

História esta que lutou muito para sobreviver num país que tem muito pouca política pública e incentivo de crédito para o agricultor familiar seguir prosperando neste nosso competitivo mercado.

NO CORAÇÃO DA SERRA

“Trabalhamos somente com aquilo que a terra nos dá, livre de pesticidas e químicas pesadas para produções de larga escala.
Trabalhamos para garantir que nossos produtos cheguem ainda frescos.”

Com certificação e auditoria pela ECOCERT, o Rancho está localizado a 220 km de São Paulo, em Paraisópolis, Minas Gerais. A paisagem é exuberante, de tons de verde incessantes, sombreados pela terracota que nos oferece o caminho de entrada até a Casa sede e a Casa de Farinhas.

 

Desde 1996, o Rancho Biju é um ponto de encontro de amigos e familiares.
Um lugar de muitas histórias e memórias dos que vivem e dos que já passaram por ali.
Em 2006 um novo capítulo se iniciou. Denize e Frederico transformaram completamente a propriedade, com o intuito de uma melhoria do corpo e da mente através da alimentação. Desde então, com muita luta, procuram transformar o Rancho em um organismo vivo sustentável, contando com uma equipe de colaboradores engajados e conscientes da produção com preservação ambiental.

Conversar com eles é como ser observador de uma orquestra em dueto. Sincronizados entre si e sintonizados com a terra, ouvi-los é prazeroso e encantador.

Enquanto um discursa sobre as dificuldades superadas, o outro vai complementando com a alegria diária de ter se tornado produtor orgânico pioneiro.
“Nós viemos para cá porque queríamos criar nosso filho mais novo no interior, então Denize e eu resolvemos sair de São Paulo e nos mudarmos para cá decidindo que o Rancho Biju teria que ser uma propriedade produtiva.
Ao chegar conhecemos um engenheiro agrônomo de Paraisópolis que nos ajudou a formar o Rancho, ele que é um entusiasta da
produção orgânica e da produção natural, sem agrotóxicos. Como ele sempre nos diz:
‘Deixe o mato crescer`.

A partir dali ele nos levou a conhecer o Orgânicos da Mantiqueira, acabamos nos deparando com um desafio muito grande que era o compromisso com a produção orgânica”, explica Lilico.

Orgânicos da Mantiqueira é uma empresa de produtores, gerida de forma cooperativa, dedicada à produção e distribuição de produtos orgânicos, localizada também na Serra da Mantiqueira, com sede no Município de Gonçalves.
Nasceu em 2003 com o principal objetivo de apoiar os produtores e escoar a produção regional, composta por frutas, legumes,
hortaliças, além de produtos processados oriundos dessas culturas.
Ali buscam estabelecer uma relação comercial entre produtores e consumidores baseada na organização da agricultura familiar e dedicada, exclusivamente, a produzir alimentos orgânicos.

Esta produção é direcionada a um consumidor preocupado com as questões da saúde, da qualidade de vida e da proteção e sustentabilidade do meio ambiente, características que conferem a este público um perfil muito mais consciente de si mesmos e do meio em que habitam.

Todos os alimentos comercializados pela Orgânicos da Mantiqueira são produzidos sem o uso de agrotóxicos e adubos químicos, através de métodos que não agridem a natureza e mantêm a vida do solo intacta, preservando a terra, as matas, as nascentes e a saúde dos produtores.
Diariamente eles buscam sempre o caminho mais direto entre o produtor e o consumidor, privilegiando no trabalho as feiras semanais, a entrega de cestas em domicílio e as parcerias com restaurantes, empórios e pequenos varejistas.

A produção é selecionada e organizada na sede da empresa e transportada para alguns centros onde uma rede de distribuidores faz a coleta e a entrega. Também certificados pela ECOCERT, uma empresa reconhecida mundialmente, fundada na França em 1991 por engenheiros agrônomos que percebiam a necessidade de desenvolver uma agricultura que respeitasse o meio ambiente e que reconhecesse aqueles que se comprometem com este modo de produção.
“ Nós fazíamos um queijinho meia boca, porque eu não sabia fazer direito, não me preocupava com temperatura, por exemplo, e então o queijo ficava bom durante dois dias e depois azedava.
Eu não gostava.
Foi então que surgiu a oportunidade de fazer um curso de queijo do SENAR.
Adorei o curso, pensamos então em fazer uma queijaria boa aqui em casa para poder utilizar melhor o leite, porque até então eu só fazia o frescal e este tem uma durabilidade muito pequena.

Eu queria mesmo era fazer parmesão, que fica na câmara fria e vai maturando. Nós conseguimos!
Já com as vacas orgânicas, conseguimos fazer os primeiros queijos frescais bem feitos, como tem que ser, com a temperatura adequada e o tempo certo de inserir o coalho. Depois vieram o parmesão, provolone, meia cura, a ricota cremosa que é nosso carro chefe. Fizemos iogurte e manteiga. Foi assim que começamos essa história no Rancho”, relata Denize animada.
Então Frederico entra novamente no papo. “Começamos a fazer a nossa certificação, que é um processo muito mais complicado do que a população imagina porque há uma auditoria, e essa auditoria na produção de legumes e verduras é feita nas folhagens pelo menos duas vezes ao ano.
Temos uma dificuldade grande com tudo porque temos que documentar todos os insumos. E tudo tem que ficar guardado por cinco anos, devemos fazer diário de campo, temos que mostrar tudo o que fazemos nos relatórios.
Não é simplesmente não usar agrotóxicos. Certificação de orgânicos é garantir a rastreabilidade do produto desde a mesa do consumidor até o dia em que a semente foi plantada.
Desenvolvemos um projeto de leite orgânico, onde a alimentação da vaca tem que ser orgânica, desde o capim, e quando você vai fabricar uma ração você tem que buscar a soja orgânica que não pode ser transgênica, assim como o milho.
E a tendência do produtor orgânico é deixar que a vaca seja vaca. Que ela paste, que ela coma o máximo possível de verde, de pastos, fazendo com que a propriedade tenha boas pastagens, que o bezerro mame na vaca, desmamando apenas na idade correta, se tornando assim um bezerro bem alimentado e bem cuidado.

Além da produção orgânica usar homeopatia e nenhum tipo de medicamento, se preocupa com a saúde animal completa, e com o bem estar animal em todos os sentidos.
Se você é orgânico não vai deixar seus animais sofrerem.
Nestes 15 anos enfrentamos esse desafio para chegar a produção do primeiro parmesão orgânico certificado do Brasil.
Se alguém fizer uma comparação entre um queijo orgânico e um queijo convencional, diria a você o seguinte: o sabor é tão bom quanto. Em comparação, o queijo orgânico tem mais gosto de leite, porque ele não tem remédio.
O leite orgânico é um leite sem influência externa, o sabor e a maturação são melhores.
O nosso queijo tem por exemplo três anos aguardando para maturar. São os queijos maiores.

O prazo de maturação vai depender daquilo que o mercado nos pedir.
Hoje a demanda é muito grande, nos trazendo dificuldade nesse tempo de maturação. Na produção orgânica não dá para definir por produzir 10 mil litros de leite orgânico.

A produção de leite orgânico será sempre pequena.
O queijo parmesão nós não vendemos antes de, no mínimo, três meses de maturação.”
Denize interrompe alertando, “fazemos bem feito até 300 litros de leite e está bom!!”
A preocupação de como cresce o mercado e em como o consumidor é abordado, é um dos temas levantados por Frederico em toda a conversa.
“O produto orgânico tem uma regulamentação feita por lei. Tem um selo. Só é considerado orgânico certificado aquele que tem o selo. No que a população precisa ficar muito ligada é para não ser iludida com as falsas marcas de produtos orgânicos, isso é
fundamental. A lei brasileira talvez seja a lei mais exigente do mundo porque é a única lei de orgânico do mundo que é permissiva. Ela diz aquilo que você pode usar, ao contrário do resto do mundo que diz o que é proibido. São leis e normativas instrutivas do Ministério da Agricultura.”
Os queijos do Rancho Biju passam pela Orgânicos da Mantiqueira e vão para São Paulo, para o Vale do Paraíba, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Ceará, além de serem disponibilizados para Brasil todo pelos demais parceiros.
Denize explica que começaram plantando hortaliças.

“A fazenda era quase toda com hortaliças. Tínhamos um pouco de gado.
Hoje todos os queijos são feitos um a um, sem nenhuma industrialização.”
A fama deste casal é sempre a de bons anfitriões. Aqueles produtores que te pegam pelas mãos e percorrem a fazenda mostrando cada detalhe e revelando a magia do trabalho que envolve muitas tarefas para chegar aos produtos finais.

Para ficar na memória
e no paladar…

Passo a passo de um dos processos de fabricação que eles mantinham no Rancho

Tiramos o leite na casa de ordenha.
Colocamos em latões.
O leite vai para dentro do tanque de
aquecimento apropriado na cozinha.
Aquecemos a 65 graus.
Começamos o processo de pasteurização por 30 minutos.
Resfriamos em outro tanque a 38 graus.
Retornamos para o tanque de aquecimento.
Quando estiver a 35 graus colocamos o fermento.
Aguardamos por 20 minutos para o fermento fazer o trabalho dele.

Inserimos então o coalho que é o coagulante que vai talhar o leite. O equivalente a 1ml para cada 10 litros de leite.
Aguardamos o tempo para o corte. Fazemos o teste de corte.
Cortamos na horizontal, e na vertical.
Mexemos por 15 minutos sem fogo.
Mais 20 ou 25 minutos para decantar a massa.
Retiramos o soro.
Retiramos a massa.
Colocamos nas formas.
Levamos para a prensa.

Depois de 1 hora, faremos a primeira viragem…

 

E agora,

um novo ano e um novo ciclo se iniciam para o Rancho Biju

E eu poderia apostar que os convidados deles continuam se alimentando com tudo orgânico…
PARMESÃO, TAPIOCA, NOZINHO, IOGURTE, DOCE DE LEITE, QUEIJO MINAS E A SELETA
PRODUÇÃO DE LATICÍNIOS…

Era uma vez um Rancho…

 

 

 

 

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