Quando pensamos vida saudável, pensamos que devemos fazer exercícios físicos, dormir bem, praticar atividades contemplativas, como a meditação ou a oração passiva ou ativa, pensamos que devemos ler livros inspiradores, assistir documentários, filmes ou séries que nos mostrem quão perfeito e belo o mundo pode ser para nós se fizermos tudo perfeitamente.

 

Ah, também podemos acreditar que se domarmos nosso pensamento pela repetição de algo bom ou de um exemplo que nos agrade, podemos atingir o estado de bem-estar e garantirmos a saúde física e mental que muitos apregoam como o grande ideal a ser seguido.

 

Se nos aplicarmos bem, podemos ganhar muito dinheiro, como aquela celebridade de vida ideal, aquele super empresário bem-sucedido, nos mudarmos para condomínios de luxo ou bairros nobres, frequentarmos restaurantes de grife, ao fim de tudo isso, poderemos comprar alimentos orgânicos, buscarmos a diversidade alimentar e começarmos a cuidar do que colocamos para dentro de nós depois que já tivermos conseguido todas as condições de bem-estar financeiro e social.

 

Sem sabermos, escolhemos ingerir todos os dias falsas ideias e ideais. Fazemos isso sem sabermos que nossos desejos, nossos sentimentos, nossos pensamentos, nossas intenções são os primeiros alimentos que ingerimos. Se escolhemos tão mal a premissa, como podemos sustentar a base de uma vida em equilíbrio?

Como podemos nos dispor a buscar a melhor cenoura, a melhor batata, o melhor milho, a melhor alface se sequer entendemos a importância de um solo sadio para o cultivo, porque intoxicamos nosso solo mental e emocional todos dias com ações ativas ou passivas e não enxergamos como isso é perigoso e agressivo para nós mesmos? Para entendermos o planeta em que vivemos, para entendermos o funcionamento da terra sobre a qual pisamos, a importância dela na manutenção da vida, a importância da fertilidade do solo e do manejo regenerativo e sustentável do solo, precisamos primeiro entender que o nosso corpo é nosso primeiro solo, que é o cuidado que emprestamos ao nosso corpo é o cuidado que seremos capazes de emprestar a outros corpos ao nosso redor, inclusive do nosso corpo coletivo chamado Terra.

 

Quando chegarmos ao ponto de compreensão que a abundância verdadeira está em ser capaz de fazer escolhas conscientes, poderemos ser capazes de entender que nosso bem-estar se inicia e se mantem com o que nos alimentamos, desde que estejamos presentes e conscientes disso.

 

O resultado da vida é a medida dos sentimentos que temos, dos pensamentos que escolhemos e dos desejos que aceitamos realizar ou não. Como podemos ser capazes de valorizar a feirinha orgânica, entender o valor agregado daquelas frutas, verduras e legumes se não conseguimos entender a importância do processo produtivo que nutra o solo sem agredi-lo, sem matar a vida na microbiota do solo, sem dizimar as plantas que servem de habitat para milhares de seres vivos que são os responsáveis por permitir toda uma rede de comunicação e nutrição do solo para as plantas e vice-versa?

 

Como vamos escolher investir numa nutrição viva e livre de pesticidas, como vamos aceitar que é mais benéfico para nós comprarmos melhores alimentos em detrimento de outros supérfluos da moda, como vamos diferenciar o sabor de um alimento organicamente produzido de outro cultivado a base de agrotóxicos ou agrossintéticos se sequer somos capazes de viver o momento de cada refeição, se sequer conseguimos distinguir o sabor da batata por ela mesma sem que adicionemos um tanto de ativadores sintéticos de sabor ou como vamos perceber a doçura e o vigor de uma laranja orgânica se comparada a uma convencional se viciamos nosso paladar com o que é corrente, usual e de maior oferta? Enquanto nossos hábitos forem convencionais, nossos alimentos também o serão.

 

Só quando percebermos a finitude e a fragilidade do nosso Planeta, que é a mesma nossa, seremos capazes de questionar nossa responsabilidade pela transformação de nosso status de vida. Enquanto o carro do ano, a roupa da moda, o celular de última geração, for mais significativo de obtenção de bem-estar do que o privilégio de alimentar-se dignamente enquanto se apoia a nutrição limpa do nosso solo, sempre ficaremos esperando a oportunidade ideal para fazer o que deveríamos fazer em primeiro lugar: nutrir nosso primeiro solo, nosso corpo, com amor e respeito. Quando comemos, bebemos e respiramos tóxicos, não praticamos nenhum ato de respeito pelo nosso primeiro território, nosso corpo. Se degradamos nosso corpo, degradamos nosso planeta.

 

Por isso que quando programas governamentais, como o Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), são lançados para incentivar a conversão de pastagens em áreas de produção de grãos e oleaginosas ou para recuperar as pastagens degradadas, a pergunta primeira que se põe na mente é: do que nos alimentamos?

 

A preocupação com a redução das áreas destinadas a pastagens, em estado de degradação ou em condição ociosa,  e sua conversão em áreas agricultáveis deveria ter como objetivo a produção de alimentos diversificados, de alimentos de primeira linha, alimentos capazes de serem destinados a saciar a fome de uma população mundial crescente e não exclusivamente ou majoritariamente para produção de grãos e oleaginosas.

 

O fato é que desde o implemento de políticas destinadas ao agro até nossas escolhas pessoais para atingirmos bem-estar, a preocupação em democratizar o acesso ao que realmente faz bem cede lugar para preocupações como: precisa-se ter mais, produzir mais, não importa o quê. Não importa que no fim das contas a cota de toda a produção seja destinada à alimentação animal, com o uso de glebas imensas de terra que poderiam ser utilizadas para alimentar pessoas; não importa que o produtor rural que levou as verduras para a feira acordou 2h ou 3h da manhã para preparar os alimentos para a feira, que ele trabalhe sob o frio ou sob o sol para manejar a horta com dedicação, sem usar herbicidas para “matar” o mato, matando também a terra, não importa que ela tenha feito a escolha por uma produção sustentável, porque no automatismo do convencional acostumamos nossos olhos a olhar apenas para a direção comparativa do “mais barato vs mais caro” para bens que são essenciais para nossa vida, mas não fazemos isso para bens que são prejudiciais a nós.

 

Quanto de nosso tempo gastamos para conhecer a nós mesmos, aos nossos vizinhos, nossa cidade, nosso estado, nosso país, nosso planeta? Se aceitamos a mais triste de todas as coisas, que é a falta de percepção de si mesmo e do outro, como podemos questionar o motivo de nos alimentarmos tão mal e a razão de intoxicarmos a nós mesmos com escolhas que, somente na distorcida abstração de nossas ideias viciadas, poderia ser sinal de bem-estar?

 

Se, copiamos a vida do outro como padrão de vida para nós, não apenas perdemos nossa vida, como matamos a vida que poderia existir para além de nós mesmos. Somos cada um de nós como uma árvore, mas nossas raízes devem se projetar para o céu e nossa copa para terra, ou seja, nosso alimento deve ser de uma tal qualidade superior que seja ele mesmo capaz de nutrir nossas escolhas de crescimento sustentável, que alimentem a terra, ao invés de degradá-la. “Quando temos gratidão por nossa vida e pelos milhares de pequenas coisas que ganhamos de presente todos os dias” (Anselm Grün, Pequeno Tratado do Bem viver) desenvolvemos a habilidade de cuidar de nós, de cuidar prazerosamente dos alimentos materiais e imateriais que ingerimos, aprendemos a conhecer com o quê nos alimentamos e com o quê alimentamos o mundo.

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