O professor Otto Scharmer no jardim do MIT. Imagem de arquivo do Professor Otto.

A arte e a ciência de conectar diferentes saberes. Você conhece o Nexialismo?

Nexialismo é a arte e ciência de conectar diferentes saberes, sendo eles formais ou informais.

O termo surgiu em um conto de ficção científica dos anos 1952, chamado “The Voyage of the Space Beagle”, de A. E. van Vogt, que conta a história da viagem da nave espacial “Space Beagle” rumo à exploração do universo. Estavam presentes nessa nave especialistas de diversas áreas do conhecimento: biologia, física, astronomia, química, antropologia, e assim por diante.

Na obra sempre que a tripulação se deparava com um desafio no espaço, nenhum desses especialistas conseguia resolver o problema, pois eles eram sempre complexos e multidisciplinares. Entretanto havia somente um personagem, o protagonista da história, chamado Elliot Grosvenor, que era especialista em nada. Ele era o tal do “nexialista”: sabia um pouco, o suficiente, de cada uma dessas áreas do conhecimento e, principalmente, conseguia criar conexões e relações entre elas que aparentemente não existiam. E isso era justamente o que resolvia os desafios no espaço. O Jornal Onews conversou com Matheus Ortiz e Luís Mazini, criadores do Onisofia, um projeto que nasceu com o propósito de disseminar o conceito de Nexialismo no Brasil.

Na prática, a dupla gosta de enxergar nexialistas como pessoas que não dedicam sua vida inteiramente por uma área e, por esse motivo, não se aprofundam tanto como especialistas, mas também não se contentam em ficar somente na superfície, como geralmente são as pessoas mais generalistas. Entendem ainda, mais importante do que isso, que são pessoas capazes de criar conexões e nexos entre saberes, especialmente onde estas relações não são óbvias. Não veem absolutamente nada de errado nas pessoas generalistas e especialistas. Acreditam que todos esses perfis se complementam. E vão além: nada impede que sejamos generalistas ou especialistas ao mesmo tempo que somos nexialistas. Acreditam que o Nexialismo é mais do que deter conhecimento, e sim um olhar, uma busca infinita por enxergar um mundo mais conectado e por questionar a realidade que nos rodeia. A seguir a entrevista completa.

Jornal Onews: O que é Onisofia e como se formou a equipe e o movimento pelas redes sociais?

Onisofia é um projeto que nasceu com o propósito de disseminar o conceito de Nexialismo. Acreditamos que muitas pessoas já são nexialistas, só não sabem. E vemos que muita gente, quando se depara com o termo, se identifica fortemente.

Não é somente conectar conhecimentos, mas também conectar pessoas. Dessa forma, não queremos simplesmente divulgar o conceito, mas sim construir uma comunidade de indivíduos nexialistas. E é juntando gente que transformamos de verdade.

O termo “Onisofia” é um neologismo. Isso significa que nós mesmos inventamos essa palavra. O termo é a junção do prefixo “oni-“, que vem do latim e significa TODO, com o sufixo “-sofia”, que vem do grego e significa CIÊNCIA. Ou seja, Onisofia significa “CIÊNCIA DO TODO”. Escolhemos esse nome porque praticar nexialismo, de certa forma, é considerar e conectar o “todo”. E ao mesmo tempo, sua origem nos lembra que estamos conectando, na verdade, diferentes ciências. E por isso um projeto cujo nome significa “ciência do todo”.

Onews: Qual é a proposta ou o propósito da equipe Onisofia com o Nexialismo no Brasil?

Na essência, nosso objetivo é inspirar pessoas a questionarem a realidade atual e o status quo. E para isso partimos de duas premissas principais. A primeira é que a educação é o único caminho de transformação profunda e consistente quando falamos de longo prazo. A segunda é que sozinhos só atingimos uma pequena parcela do nosso verdadeiro potencial humano. Por isso, acreditamos tanto na potência das comunidades. Conectar (ou reconectar) pessoas é a única coisa que faz sentido para causarmos impacto positivo em grande escala. E se estamos falando de coletivo e de educação, para nós, o caminho mais adequado para promover o Nexialismo é usar como base a educação 4.0. Trazemos como grande referência em educação 4.0 o professor Otto Scharmer do MIT, que aponta a evolução do modelo de educação ao longo dos anos, cujo resumo breve seria:

Educação 1.0 = A relação entre professores e alunos é simplesmente de transferência de conteúdo. Um é ativo, o outro, passivo. Educação 2.0 = Ainda muito similar ao modelo 1.0, mas adicionada agora a avaliação. As duas partes agora se relacionam também no quesito avaliativo e comparativo. Somos avaliados pelo nosso valor comparativo e não pelo nosso valor intrínseco de quem realmente somos.

Educação 3.0 = Aqui existe um salto grande de evolução. Professores passam a abrir mão do papel de donos da verdade e assumem um papel mais parecido com um facilitador ou mentor, estimulando a conexão entre os alunos, que coletivamente colocam mais a mão na massa. É no modelo 3.0 que aparecem as metodologias ativas de aprendizagem.

Educação 4.0 = O estado da arte da educação, segundo essa teoria. Esse é o modelo baseado em cocriação. Professores não somente estimulam a conexão, mas agora também se conectam, se envolvem e criam junto. Na verdade, isso é extrapolado para fora da sala de aula: coordenadores, diretores e todas as partes interessadas podem se envolver nessa cocriação, que agora não mais se limita só ao conteúdo das aulas, mas também podem cocriar e propor novidades para o próprio curso, para a estrutura da escola e assim por diante. Todas as relações e papéis são ressignificados. E é por isso que acreditamos que o Nexialismo precisa ser transmitido nesse modelo, não só por ser o mais disruptivo, mas também por ser o mais conectado e mais humano.

Onews: Qual é a rotina de vocês e quem faz parte da equipe?

A equipe é formada por nós dois: Luís Mazini e Matheus Ortiz. Atualmente, nossa rotina se dá, principalmente, por meio de reuniões para criação de conteúdo para o Instagram e reuniões para elaboração dos episódios do podcast Onisofia. A criação de conteúdo é mais simples e resulta em 3 publicações semanais. Já a elaboração dos episódios é dividida em várias etapas: levantamento de temas relacionados ao Nexialismo (momento de divergência de ideias), definição e priorização do próximo tema que será abordado (convergência de ideias), elaboração do roteiro do episódio, gravação, edição, revisão, publicação e divulgação. Também podemos citar, como parte do nosso trabalho, encontros com pessoas da comunidade Onisofia, que julgamos de suma importância para continuar fomentando esse movimento nexialista, nos conectando com pessoas interessantes, compartilhando, aprendendo e fortalecendo nossa rede de amizades (não gostamos do termo “networking”, por passar a impressão de que as conexões são feitas puramente por interesses profissionais).

Onews: Podemos ensinar o nexialismo? Há planos para uma Academia Nexialista no Brasil?

No desenvolvimento do projeto, trabalhamos o termo “Nexialismo” para utilizá-lo não só no campo das ideias, mas também no nosso dia-a-dia. Para isso, criamos 5 atitudes nexialistas, que são habilidades que julgamos necessárias para incorporar o Nexialismo no nosso cotidiano.

Captação sensorial ativa: habilidade de se colocar presente no momento e usar os diferentes sentidos sensoriais, de preferência combinados, para absorver, sem reagir, as informações externas. Em outras palavras, podemos dizer que é explorar nossos sentidos sensoriais para aprender com o ambiente.

Intuição: escolhida como uma atitude nexialista por ser uma ferramenta de melhoria do poder de escolha consciente, por meio da melhora das conexões da mente inconsciente.

Visão Holística: desenvolver uma visão holística é simplesmente exercitar uma percepção mais ampla da realidade, entendendo as interrelações entre as coisas. E como compreender o mundo que vivemos sem entender essas interdependências e conexões?

Acreditamos que a visão holística é fundamental para resolvermos os problemas da nossa era, onde reina a complexidade.

Observar a natureza: a atitude de “observar” está aqui com o significado de “aprender”. Na natureza, os processos e seres biológicos e não biológicos estão conectados. Se observarmos bem, vamos descobrir que preponderam ciclos ao invés de processos lineares na natureza. Esta atitude serve como guia para aprendermos com quem está a 4,5 bilhões de anos (idade do planeta Terra) resolvendo seus problemas.

Brotabilidade: também um neologismo criado por nós, a brotabilidade é a junção da própria criatividade e de como essa habilidade interage com o meio em que está inserida, considerando também o tempo. Para ficar mais claro, gostamos de fazer a analogia do processo de criação de uma planta, desde a semeadura até a colheita. Aqui, a criatividade é como a semente. Todo o potencial de criação está dentro dela. Mas a semente por si só não garante que surgirá uma planta saudável, o que significa a criação. Para isso, é necessário que o solo (meio), os nutrientes (conhecimento externo) e a interação entre as sementes e raízes plantadas no mesmo solo (ambiente psicologicamente seguro) sejam apropriados para a saúde de todas as plantas (criações do ecossistema). E, por último, mesmo com todas as condições favoráveis, é necessária paciência para que todos os componentes interajam e criem uma planta saudável para ser colhida e alimentar o ecossistema.

E sim, há planos para uma “academia nexialista” no Brasil. Na verdade, chamamos esse projeto de Escola Nexialista.

 

Desde o início deste ano, estamos nos reunindo com um grupo de cerca de 20 pessoas que selecionamos dentro da comunidade Onisofia para construir esse projeto. Nesse primeiro momento não estamos preocupados em saber o que, de fato, será a Escola, o que será ensinado, etc. Acreditamos que o “com quem” importa mais que o “o que”. Dessa forma, nosso foco foi, primeiramente, convidar as pessoas certas, que formariam um time extremamente diverso e nexialista e, em segundo lugar, conectar essas pessoas, construir o ambiente mais seguro possível, com intimidade e informalidade. Assim, garantimos que o que surgir deste time emergirá da interação e vontade das pessoas que o compõem, ou seja, surgirá de forma orgânica. Gostamos de trabalhar embasados nos “4 C’s da cocriação”. Para haver cocriação, ou seja, criação coletiva, precisamos antes de mais nada de colaboração. Mas nós, como Homo Sapiens, não colaboramos com quem não confiamos. E, instintivamente, não confiamos em quem não conhecemos. Desta maneira, precisamos necessariamente seguir uma ordem lógica (e que leva tempo), que é:

Conhecer para confiar, confiar para colaborar e colaborar para cocriar. Essa iniciativa está sendo apoiada pelo Presencing Institute, um instituto criado na escola de negócios do Massachusetts Institute of Technology (MIT) pelo professor Otto Scharmer, que oferece anualmente um programa para acelerar ideias e projetos de todos os cantos do planeta.

Felizmente, fomos selecionados para a edição de 2021, que se iniciou a pouco, em fevereiro e tem duração de 4 meses. Durante o programa, receberemos conteúdos, mentorias e acesso a uma comunidade global de pessoas desenvolvendo projetos nas seguintes grandes áreas: saúde, democracia e governança, finanças, agricultura e alimentação, negócios e educação, sendo esta última a categoria que nos enquadramos.

Onews: Qual é o papel das escolas e universidades?

No curto prazo, acreditamos que o foco precisa estar na atitude tomada pelas pessoas envolvidas no sistema de educação. Professores que estejam buscando a reinvenção a todo momento, coordenadores, diretores e reitores que forem impactados pelo conceito de Nexialismo, tudo isso irá influenciar o conteúdo, o formato e a experiência de aprendizagem dos alunos. Enxergamos que ter contato com o Nexialismo é suficiente para implementar mudanças de curto prazo “usando as brechas” que o modelo permite. No caso do Brasil, por exemplo, as regras do MEC são bem flexíveis para outros formatos e conteúdos que já poderiam estar sendo explorados. Tudo que falta é um olhar diferente (e algumas ferramentas novas). E, obviamente, quanto maior o poder de decisão ou a hierarquia da pessoa que estiver se reinventando, maior o impacto para os alunos. Mas no longo prazo, para uma mudança mais substancial, acreditamos que o foco na boa vontade das pessoas não será suficiente. Precisaremos focar em transformar o modelo. Realmente mudar as regras do jogo: ressignificar os papéis que cada um ocupa, repensar as hierarquias, promover mais autonomia, maior integração de conteúdos e por aí em diante. Com isso, mais cedo ou mais tarde, será inevitável nos depararmos com o desafio de impactar, através do Nexialismo, lideranças não mais educacionais, mas também políticas.

Onews: Qual seria a diferença para o Brasil se nossos líderes governamentais fossem em sua maioria nexialistas?Acreditamos que tudo é política. Pessoas nexialistas na política naturalmente buscariam a todo momento olhar para um cenário mais “macro” e enxergariam melhor os impactos que suas escolhas teriam no sistema, assim como as implicações que as implicações dessas escolhas teriam, e assim por diante. Além disso, possuiriam condições de conectar e entender mais profundamente as interdependências entre as “grandes áreas” de interesse de um governo, representadas por ministérios, secretarias e afins: saúde, economia, infraestrutura, educação, turismo, meio ambiente, segurança, etc.

Lideranças políticas nexialistas formariam Estados Nexialistas, que por si só influenciariam pessoas a serem mais questionadoras. Seguindo a metodologia científica, quanto mais questões houvesse, mais hipóteses seriam levantadas e mais ciência seria gerada. E, com mais ciência, maior a possibilidade de impacto positivo na sociedade, aumentando assim a qualidade de vida das pessoas.

Onews: Qual é o legado que desejam deixar para o Brasil através do Nexialismo?

Independente da existência de uma Escola Nexialista, o legado que queremos deixar é de uma sociedade que entenda e viva uma vida significativamente mais conectada, que entenda o planeta Terra como um organismo vivo e nós, humanos, como parte dele. Queremos uma sociedade onde as pessoas estejam dispostas a questionar a realidade que as cerca, com embasamento, coragem e autenticidade ao mesmo tempo. E não somente a realidade externa, mas também a interna. Questionar quem somos e os papéis que ocupamos. Talvez, assim, possamos deixar de “SER” muitas coisas que incorporamos e que hoje já não fazem mais sentido, para poder “ESTAR” outras coisas que sempre quisemos e nunca nos permitimos experimentar. Quando utilizamos o verbo “ser”, damos um significado estático à definição de nós mesmos, bloqueando-nos para os milhares de papéis que podemos exercer na sociedade. Entretanto, quando usamos o verbo “estar”, passamos a adotar uma vida dinâmica, mais livre para estarmos o que queremos estar. Acreditamos que ser nexialista é se permitir não “SER” mais nada, mas “ESTAR” tudo que se queira.

 

Matheus Ortiz

Onews: Qual é a mensagem neste momento para o Brasil?

O separatismo é uma ilusão, ou seja, nada está separado ou isolado. Tudo influencia em tudo. Até as coisas que pensamos estarem totalmente desconectadas podem nos surpreender com o quão conectadas estão. Um exemplo disso é como o deserto do Saara fertiliza a nossa floresta Amazônica. Quem imaginaria? Outro exemplo é como os hábitos individuais podem causar uma pandemia. Quem diria que um indivíduo em Wuhan, China, poderia iniciar a propagação de um vírus pandêmico? E, por fim, sabemos que maus hábitos alimentares na infância podem estimular o desenvolvimento de doenças severas, como a diabetes e hipertensão, que podem aparecer somente muitas décadas depois. Subestimamos como eventos distantes no tempo e no espaço podem nos influenciar direta ou indiretamente. E só fazemos isso porque não entendemos as reais interdependências e conexões entre as coisas. E a verdade é que só começamos a entender e enxergar essas relações quando passamos a questionar o mundo à nossa volta. Com isso, a nossa mensagem final para o Brasil é: questione.

Luis Mazini

Questione a razão pela qual as coisas são como elas são. Questione a forma como as pessoas te tratam, questione as instituições, os políticos, a mídia, as regras e burocracias desnecessárias. Enfim, questione tudo que parece não fazer sentido. Mas também questione a si próprio. Questione a forma como você trata as pessoas, como você trata seu corpo, questione seus hábitos, sua alimentação, seu emprego, suas amizades e relacionamentos. Porém, embase seu questionamento, para não ser isca fácil das “fake news”, do negacionismo, do terraplanismo, etc. Para não cair nessa armadilha, temos uma ferramenta fantástica e poderosa: a ciência. Lembre-se também de fazer seus questionamentos com empatia, para que eles não se tornem rebeldia desnecessária, mas sim melhoria de vida para você e para as pessoas de seu círculo. Afinal, tudo gira em torno de construir boas conexões, especialmente as humanas.

instagram @_onisofia

 

Otto Scharmer é professor sênior da MIT Management Sloan School e cofundador do Presencing Institute. Ele preside o programa MIT IDEAS para inovação intersetorial e introduziu o conceito de “presença” – aprendendo com o futuro emergente – em seus livros best-sellers Teoria U e Presença (o último em co-autoria com P. Senge et al). Otto obteve seu diploma e doutorado em economia pela Witten / Herdecke University na Alemanha. Ele recebeu o Prêmio Jamieson de Excelência em Ensino no MIT, o European Leonardo Corporate Learning Award e é membro do World Future Council. O Secretário-Geral Adjunto das Nações Unidas nomeou-o para o Conselho Consultivo de Aprendizagem da ONU para a Agenda 2030.

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